O cineasta mineiro Humberto Mauro (1897-1983) é o que se poderia chamar de “O Patrono do Cinema Brasileiro”. É dele uma das frases mais instigantes e poéticas sobre o significado da Sétima Arte: “Cinema é cachoeira”. Em 45 anos de carreira, o cineasta realizou 11 longas-metragens e 230 curtas e médias-metragens – estes quando esteve à frente do Instituto Nacional de Cinema Educativo – INCE, criado por Edgar Roquette-Pinto em 1936. Humberto Mauro é também o título do longa-metragem que o seu sobrinho-neto, André Di Mauro, vai apresentar nesta sexta-feira (21/12), às 20h, no Cinema da Fundação/Derby. Depois da sessão ele conversa com o público. Neste sábado (22/12), ele dá uma masterclass na Cinemateca Pernambucana e apresenta o filme outra vez, no Cinema da Fundação/Museu, em Casa Forte, às 18h10.
O longa teve sua primeira exibição no último Festival Internacional de Cinema de Veneza, em setembro passado. A estreia internacional em Veneza não foi por acaso. Há exatos 80 anos, Humberto Mauro representou o Brasil pela primeira vez num festival de cinema, quando teve os curtas Vitória Régia e Ciclo do Brasil e o longa-metragem de ficção O Descobrimento do Brasil exibidos em Veneza, o festival mais antigo do mundo. O filme de André Di Mauro traz imagens inéditas de Humberto Mauro no festival de 1938, o sétimo de sua história, a um ano de a Itália se unir com a Alemanha no pacto Nazi-Fascista que detonou a 2ª Guerra Mundial.
Humberto Mauro é um filme de qualidades únicas. Faz parte de um gênero moderno de cinema, que parece documentário, mas não é. Se você assistiu ao recente Histórias que Nosso Cinema Não Contava, de Fernanda Pessoa, um dos melhores filmes brasileiros estreados esse ano, vai encontrar em Humberto Mauro quase um irmão-gêmeo.
ENSAIO CINEMATOGRÁFIO
São filmes-ensaios, na melhor acepção do termo. Nenhum deles se utiliza de imagens captadas no tempo presente, apenas montam o material fílmico produzido originalmente em sua época de realização. No entanto, para não fugir totalmente da linguagem do cinema documentário, André Di Mauro utiliza algumas entrevistas de Humberto Mauro, uma delas realizada em 1966 para o Museu da Imagem e do Som, no Rio, dentro do Ciclo de Grandes Figuras do Cinema Brasileiro. O seu interlocutor é o cineasta e historiador Alex Viany, que, em 1978, dirigiu A Noiva da Cidade, a partir de um roteiro original de Humberto Mauro.
Humberto Mauro é um lição de montagem, com ecos de Glauber Rocha, Sergei Eisenstein e Mário Peixoto, que tem um fotograma do seu mítico Limite inserido como homenagem. O filme reúne fotogramas de cerca de uma centena de filmes dirigidos pelo cineasta, montados em torno de ideias que sintetizam suas preocupações estéticas e imagéticas. A primeira sequência é uma alvorada, com imagens de montanhas, árvores e um céu coalhado de nuvens. A natureza sempre esteve presente no cinema de Humberto Mauro. Num dos trechos da entrevista, ele diz que para filmar uma cachoeira, era preciso se esconder um pouco para que ela não perceba que está sendo filmada.
A montagem não é apenas uma sucessão de imagens, mas também uma recriação de sons. Numa da sequências mais impressionantes do filme, em que Humberto Mauro mostra os signos do progresso, a edição de som é digna de um Oscar. A visão dele em relação ao progresso, não era das melhores: apesar das imagens incríveis, ele dizia que “o progresso era anti-fotogênico”. Por mais de uma vez, André Di Mauro volta com o leitmotiv, que ganha uma veia glauberiano em alguns momentos.
Vários dos seus longas-metragens, tantos os realizados durante o Ciclo de Cataguases, no interior de Minas, quanto os produzidos por Ademar Gonzaga, no Rio de Janeiro, comentam quanto genial era Humberto Mauro. Os jovens cineastas do Cinema Novo, por exemplo, tiveram nele um dos esteios do movimento. A brasilidade do seu cinema e a qualidade técnica dos seus filmes assombraram toda a geração. Ao contrário de muitos cineastas, até de períodos posteriores, Humberto Mauro não tinha resquícios de primitivismo. Os seus filmes são obras que são assistidos hoje como tantos outros clássicos do cinema mundial. Seu humor e inteligência era incomparáveis, até falava tupi-guarani fluentemente.