Crítica

'Homem-Aranha no Aranhaverso' deslumbra e leva herói a outro nível

Protagonizado pelo jovem negro Miles Morales, 'Homem-Aranha no Aranhaverso' expande o popular herói em vários sentidos; confira crítica

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 09/01/2019 às 8:46
Foto: Sony Animation/Divulgação
Protagonizado pelo jovem negro Miles Morales, 'Homem-Aranha no Aranhaverso' expande o popular herói em vários sentidos; confira crítica - FOTO: Foto: Sony Animation/Divulgação
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Em 2002, aos cinco anos de idade e sem saber ler, vi meu primeiro filme legendado, com o afeto já bem construído por uma das criaturas mais populares da cultura pop. Após birra infantil, assisti ao Homem-Aranha, de Sam Raimi, com minha mãe fazendo a tradução simultânea aos cochichos no meu ouvido. Na locadora, era o VHS repetido à exaustão em todo final de semana.

A fantasia de Carnaval virou uniforme das tardes em casa, mesmo que as temperaturas não fossem muito agradáveis. Nas brincadeiras com os amigos, me restava ser o Gelado dos Incríveis, Super-Choque ou algum outro do seleto grupo de heróis negros (obrigado por existirem), mas, em casa, eu poderia colocar a máscara vermelha com teias.

Muitos olhares mudaram, em diferentes graus, de 2002 para cá, incluindo o meu e, em uma medida diferente, o de Hollywood. É neste novo cenário que pude encontrar Miles Morales, protagonista deste Homem-Aranha no Aranhaverso, recém-contemplado com um Globo de Ouro e que estreia amanhã nas salas do Recife. Trata-se de um adolescente negro do Brooklyn, que lida com os dilemas identitários da juventude, principalmente ao estudar em um colégio de elite, distante dos amigos de seu bairro e, de certa forma, de sua cultura. Ainda por cima é picado por uma aranha radioativa.

Ao desenvolver poderes aracnídeos semelhantes aos do famoso Homem-Aranha, alter-ego de Peter Parker, que já defende Nova York há anos, Morales acaba se envolvendo em uma instalação experimental do mafioso Rei do Crime, e conhecendo o Aranha original, que promete ser seu mentor, mas é assassinado. Entretanto, o experimento acaba abrindo portais de diferentes dimensões que trazem outros cinco diferentes Homens-Mulheres-Porcos-Robôs-Aranhas de diferentes universos, incluindo outro Peter Parker.

Para dar conta dessa aparentemente complicada teia narrativa, a tripla direção de Peter Ramsey, Bob Persichetti e Rodney Rothman utiliza alguns artifícios de forma tão inteligente quanto ousada, principalmente tratando-se de um blockbuster com apelo infanto-juvenil. Um deles é abraçar o fato de que se trata de um dos heróis mais bem consolidados no imaginário global, com diversas histórias já contadas, que se entende como produto da cultura pop, mas de uma forma orgânica e bem articulada.

EXPANSÃO ESTÉTICA

Levando isso em conta, por exemplo, Peter Parker tem sua história rapidamente contada e até autorreferenciada de forma cômica, consolidando a importância que o personagem tem, mas dando espaço para que se desenvolva o real protagonista desta história. Esta autoconsciência, entretanto, não é utilizada como uma das principais forças do filme, como faz Deadpool. Ela é usada como uma ferramenta que, ao aceitar o absurdo daquele mundo, permite uma deslumbrante expansão estética, absorvendo a textura e a linguagem visual dos quadrinhos sem medo, contando ainda com uma animação estilizadamente fluida.

Esta expansão também é importante para outro desdobramento: a consolidação de um estilo para o universo do Homem-Aranha, agora encabeçado por um jovem negro. É uma nova sensação ver o herói pular entre prédios enquanto tocam beats de rap e a identidade visual do grafite se faz presente em diversos quadros. É algo que também se expressa em um subtexto sobre construção da identidade desse jovem em meio a outros heróis, que são tão diferentes dele mesmo, fazendo-o questionar suas capacidades diante disso. Seria ele, vindo de onde vem e levando a vida que leva, capaz de assumir um manto que já representa tanto para tanta gente?

Ainda assim, mesmo com esse enfoque no Morales, a narrativa consegue equilibrar os outros personagens que estão ao seu redor. O Peter, que assume agora o papel de mentor, os outros Aranhas como a Spider-Gwen (Hailee Stanfield), Homem-Aranha Noir (Nicolas Cage) e Spider Ham (John Mulaney), todos carregando seus próprios traumas. Ao darem tons cômicos diferenciados entre si, todos conseguem seu devido destaque. As relações familiares do garoto conquistam peso vital em sua jornada, principalmente com a dinâmica conflituosa entre seu pai e o tio Aaron (Mahershala Ali).

Mesmo prestes a completar oito anos desde que Miles Morales surgiu nos quadrinhos, ter uma produção com a originalidade e a qualidade de Homem-Aranha no Aranhaverso é extremamente significativo para a indústria em termos da tão falada, e cada vez mais importante, representatividade. Ter a imagem desse jovem negro associada a uma obra que dá um novo fôlego não só para as produções de super-heróis, mas como para a animação em si, é um passo importante para a criação de olhares mais inclusivos e para fazer as mais diferentes crianças perceberem aquilo que Morales vai descobrindo sobre "qualquer um pode usar a máscara".

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