Revisitar narrativas muito arraigadas no imaginário popular exige diversas funções, se for para ser uma tarefa bem executada. Atualizar a linguagem, tornando-a contemporânea, como faz a série Sherlock, da BBC, é uma delas. Já outras entram pelo caminho do deboche, bem visto no clássico Monty Python: Em Busca do Cálice Sagrado, levando os contos do mítico Rei Arthur e os cavaleiros da távola redonda a um absurdo hilariante. Misturando um pouco de cada, e conferindo uma roupagem de aventura infanto-juvenil, chega aos cinemas nesta quinta-feira O Menino que Queria Ser Rei, aliando leveza e simplicidade a boas mensagens e subtextos.
Tomando como premissa o nosso mundo atual, mergulhado em guerras e alta instabilidade política, acompanhamos o jovem Alexander (Louis Serkis) morando com a mãe e tentando se defender do bullying na escola. Em uma de suas fugas do valentões do colégio, o garoto se depara com uma espada em uma construção abandonada, cravada em uma rocha, de onde a retira. Trata-se da Excalibur, a mítica espada do Rei Arthur, que retorna para guiar um novo rei no mundo de hoje. Como primeira prova, Alexander, aconselhado pelo mago Merlin (Angus Imrie/Patrick Stewart), precisa formar um grupo para combater uma terrível ameaça dos tempos de Arthur que está prestes a despertar.
Simplicidade efetiva
A direção de Joe Cornish deixa muito claro que seu filme trata de uma clássica jornada do herói e abraça essa simples estrutura sem maiores pretensões, uma escolha acertada para a produção que propõe. A partir daí, são bem desenvolvidos os conceitos fantásticos de como aquele mundo funciona: de onde vêm as ameaças, quando é possível combatê-las e de que forma, além de como o mundo é afetado por isso tudo. Criados os conceitos, Cornish respeita a lógica estabelecida por eles e guia a narrativa de forma a não apelar para resoluções artificiais para os principais conflitos.
Para povoar esse universo, O Menino que Queria Ser Rei traz personagens que, mesmo não apresentando grandes densidades dramáticas, são palpáveis em suas inseguranças e motivações. Questões parentais, de amizade, de conciliação das diferenças, todas trazem um subtexto que confere outra camada à aventura, não a deixando rasa. Até há espaço para que esses pontos pudessem ser um pouco mais aprofundados, construídos com mais carinho e tempo de tela, mas o tom da trama não deixa que isso seja um empecilho.
O filme também diverte visualmente, brinca com o deslocamento de espadas e armaduras no mundo de hoje, concilia bem esse contraste do mundo real com a fantasia e traz recursos de computação gráfica convincentes, apesar de não muito inventivos. Sua batalha clímax exemplifica bem tudo isso, com a criação de um inusitado campo de luta que diverte e funciona bem dentro de sua lógica, permitindo uma leve violência condizente com o público alvo.
Assim, a impressão que o O Menino que Queria Ser Rei deixa é de ser uma brincadeira com os mitos Arturianos, mas sem pretensões de um revisionismo profundo ou algo semelhante. Fica claro seu intuito mais puxado para o lado da diversão do que de qualquer grande revisita a lenda, funcionando muito bem nessa tarefa e deixando mensagens simples, mas consistentes.