A estranheza é um sentimento que pode cimentar boas narrativas, principalmente quando desafiam a percepção, ao ser inserida no mundo real. É nessa tentativa que opera o japonês Asako I & II, de Ryusuke Hamaguchi, competidor no Festival de Cannes de 2018 e com estreia hoje nos Cinemas da Fundação. Mesmo se passando entre os mais densos prédios da grande Tóquio, é uma trama que se faz presente em uma dimensão que parece ser fantástica, pelo menos no nível das interações pessoais e relacionamentos. Entretanto, seu poder de fazer o público abraçar essa suspensão da realidade é algo que não é tão sólido quanto sua proposta.
O filme começa com a jovem Asako contemplando uma exposição de fotografia e se encontrando com o misterioso Baku. Após uma incomum interação, os desconhecidos se tornam um casal, compartilham amizades e vivem intensa paixão. O único problema aparente é que o rapaz tem o costume de desaparecer por longos períodos de tempo, sempre prometendo voltar. Até que um dia não volta, os anos passam e Asako começa a se relacionar com Ryôhei, sendo atraída inicialmente pelo fato de ele ser idêntico ao amante que não retornou e por quem ela guarda fortes sentimentos.
Estranho amor
Para requintar esse tom digno dos mais genéricos exemplares da teledramaturgia brasileira, Hamaguchi aposta em criar um universo em que as socializações parecem obedecer uma lógica própria. Primeiros contatos já são palcos de beijos e críticas profissionais, danças terminam em chutes. Assim, também entram as coincidências inesperadas: um outdoor na hora e lugar certo, um terremoto que permite um encontro, entre outros. Essa estranheza até encontra reflexos visuais em planos com personagens distribuídos pelo espaço de forma bem estilizada, ajudando na imersão desse lugar incomum.
Entretanto, o estranhamento pelo estranhamento não garante nada. Os romances supostamente seriam os corações para toda essa abordagem, eles que deveriam ser a garantia para o público comprar esse universo construído. Infelizmente, se mostram tão apáticos e até bobos que tornam a experiência empacada. Fica muito difícil desenvolver um laço com aquelas pessoas, tornando alguns momentos que deveriam ser grandes reviravoltas em trivialidades.
Por mais que a direção de Hamagushi deixe clara suas intenções, sua efetividade narrativa parece nunca se concretiza, embora traga momentos capazes de despertar uma certa curiosidade sobre aquelas pessoas e relacionamentos. Flerta com um misticismo e consegue não cair em tão forçados melodramas. Mas ao final, a sensação que fica é de faltar algo ali, uma substância mais sólida, preencher alguns vazios de forma mais intensa e alcançar melhor seus principais conflitos.