CINEMA

Olinda e o Recife pelas lentes do cinema

Desde que as câmeras cinematográficas chegaram a Pernambuco que as duas cidades são amadas pelos cineastas.

Ernesto Barros
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Ernesto Barros
Publicado em 12/03/2019 às 8:53
Victor Jucá/Divulgação
Desde que as câmeras cinematográficas chegaram a Pernambuco que as duas cidades são amadas pelos cineastas. - FOTO: Victor Jucá/Divulgação
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Olinda e o Recife são cidades-irmãs – siamesas, na verdade – e até comemoram aniversário de nascimento no mesmo dia: nesta terça (12/3) Olinda chega aos 484 anos e o Recife, 482. Por terem nascido tão coladinhas, ligadas por rios e pelo fluxo da maré, quem conhece uma, conhece a outra também. Das primeiras imagens filmadas em película, há quase um século, até as capturas em digital nos dias de hoje, as duas cidades estão presentes nos filmes de cineastas, pernambucanos ou não, que transitam entre elas.
Quando chegaram por aqui, numa espécie de corrida de ouro, os italianos Ugo Falangola e J. Cambieri viram na modernidade que se avizinhava um meio de vida. Armados de câmeras cinematográficas, os dois amigos venderam a ideia de filmar a nascente pujança do Recife para empresários e governantes. Nessa época, anterior ao Ciclo do Recife, que reuniria os jovens técnicos e cineastas que fariam filmes de ficção, os cinegrafistas italianos filmaram cenas que até hoje cativam os espectadores.

Quem já viu pelo menos alguns trechos do longa-metragem Veneza Americana, de 1925, é transportado imediatamente para uma cidade fervilhante e em crescimento acelerado. Do Porto do Recife em grande atividade ao passeio de bonde por vários bairros até Boa Viagem, o filme testemunha um passado de fazer inveja a qualquer cidade do mundo.

Se no momento da sua feitura era visto com uma mera “cavação” (uma propaganda paga pelo governo e empresários locais), o tempo cuidou de transformar o conjunto de imagens num registro de grande importância histórica nos primórdios do cinema pernambucano. Os cineastas do Ciclo do Recife também não ficaram atrás e suas ficções foram pródigas em locações tanto da capital pernambucana quanto de Olinda.

Aitaré da Praia, dirigido por Gentil Roiz em 1925, teve cenas filmadas no palacete de Santos Moreira, em Olinda, e na Rua Imperatriz, na Boa Vista. Os primeiros minutos de A Filha do Advogado, de Jota Soares, de 1926, situa o Recife como uma metrópole, com suas pontes, casario, tráfego de carros e muita gente nas ruas.

Esse passado de cidades amadas fez com que cineastas de várias épocas – da passagem de Alberto Cavalcanti, em O Canto do Mar, em 1953, até a sedimentação de uma produção ininterrupta que já passa dos 20 anos – mantivessem essa mística acesa. Os filmes de Paulo Caldas, Amin Stepple, Cláudio Assis, Lírio Ferreira, Hilton Lacerda, Adelina Pontual e Kleber Mendonça Filho, entre outros, só provam a irresistível fotogenia de Olinda e do Recife.

Por quase 40 anos O Canto do Mar foi o filme mais associado ao Recife. Embora nascido no Rio, Alberto Cavalcanti tinha sangue pernambucano. A herança genética despertou a ideia de transportar a história de En Rade, que realizou na França em 1927, para Pernambuco. Retirantes sertanejos vêm ao Recife à procura de uma vida melhor, mas só encontram miséria. O cineasta, que viera para o Brasil montar o estúdio Vera Cruz, depois de uma bem-sucedida carreira na Inglaterra, faz da cidade também um personagem, com cenas desenvolvidas no Porto do Recife, no Mercado da Madalena e no Bairro de São José.

A NOVA GERAÇÃO

Só a partir de 1980, com egressos do movimento Super 8 e jovens estudantes de comunicação, tanto da Unicap quanto da UFPE, surgiria o nascimento de uma nova geração de cineastas que, definitivamente, iriam emoldurar o Recife e Olinda em suas criações. Em 1983, Paulo Caldas reconstruiu uma tragédia social em Morte no Capibaribe, filmado em Super 8, na história de um homem que joga a família no rio porque não tinha como sustentá-la.

A geração de Paulo Caldas, formada por Lírio Ferreira, Cláudio Assis, Marcelo Gomes, Adelina Pontual e Hilton Lacerda, teria um encontro com um remanescente do Super 8 em 1995: Amin Stepple juntou forças com Lírio e juntos fizeram That’s a Lero-Lero, que reconstitui a passagem do cineasta americano Orson Welles (Bruno Garcia) pelo Recife, em 1942, especialmente pelo Bairro do Recife, da boate Chantecler à Ponte Buarque de Macedo.

Dois anos depois, em 1997, Paulo Caldas e Lírio fizeram Baile Perfumado, que também tem cenas filmadas no Bairro do Recife. Caldas, paraibano de nascimento, sempre teve o Recife em seus filmes. Em Deserto Feliz, por exemplo, a personagem central do filme, interpretada por Nash Laila, mora com outras amigas prostitutas no Edifício Holiday, em Boa Viagem. Mais recentemente, em País do Desejo, de 2011, Caldas transformou o Recife e Olinda numa cidade só: a mítica Pasárgada evocada nos versos do poeta pernambucano Manuel Bandeira, com cenas da Cidade Alta, em Olinda, e do Museu do Estado e do Teatro de Santa Isabel, no Recife, que emolduram a história de um padre (Fábio Assunção) que se apaixona por uma pianista (Maria Padilha) doente.

Cláudio Assis e Hilton Lacerda, numa parceira que chega a cinco longas-metragens, dedicaram pelo menos dois ao Recife que ninguém quer ver. Com personagens do submundo, mostraram o Recife do lumpesinato em Amarelo Manga (2002) e Febre do Rato (2011), com cenas filmadas nos casarões abandonados do Bairro do Recife, de Santo Amaro e margens do Capibaribe. Em Tatuagem, sua estreia no longa, em 2013, Hilton filmou nas praias e ladeiras de Olinda, numa homenagem ao grupo de teatro Vivencial Diversiones, rebatizado de Chão de Estrelas.

Já Adelina Pontual, em 2011, realizou um filme que não deixa dúvidas sobre a ligação umbilical entre Olinda e o Recife. No documentário Rio Doce-CDU, ela acompanha o longo itinerário de uma linha de ônibus que transforma as duas cidades numa única entidade. Geografia física e humana de mãos dadas numa viagem que une milhares de moradores das duas cidades diariamente.

Filho de uma socióloga, Kleber Mendonça Filho já apontava em seus primeiros filmes que o Recife seria retratado de maneira crítica. Em Recife Frio, de 2009, faz um falso documentário para mostrar as transformações climáticas do Recife, enquanto descortina diferenças sociais intransponíveis. Nos longas O Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016), a disputa de classes fica ainda mais escancarada, da seguranças das ruas de Setúbal à destruição de símbolos do passado, exemplificado na luta da jornalista Clara (Sonia Braga) pela resistência em se manter fiel a si mesma e ao seu pequeno e velho apartamento no Pina.

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