Jordan Peele pode não ter desencadeado a nova consciência negra de Hollywood, mas rapidamente se converteu em uma de suas figuras mais representativas e icônicas. Recebeu o Oscar de roteiro original por Corra!, produziu o Spike Lee - e somente agora, com 33 anos de carreira, ele também recebeu seu Oscar de roteiro, por Infiltrado na Klan.
O Oscar deste ano teria sido uma bela celebração da participação dos negros na indústria - Pantera Negra foi multipremiado -, se a Academia, no limite, não tivesse arreglado, escolhendo o ponto de vista branco da questão racial como melhor filme do ano. Green Card - O Guia? Por mais qualidades que tenha, o longa do irmão Farrelly não é melhor de coisa nenhuma.
Já o Us/Nós, que estreia nesta quinta, 21, em salas de todo o Brasil, entrega o que promete. Um terror assustador, e - de quebra - outro olhar crítico sobre as maiorias silenciosas que regem a 'América'. Havia a expectativa pelo novo Jordan Peele. Com Corra!, ele impregnou seu terror de conotações ideológicas e, misturando elementos de uma obra cultuada sobre racismo (Adivinhe Quem Vem para Jantar?, de Stanley Kramer) com outros de um filme não tão famoso, mas que levantava questões interessantes sobre consumismo e massificação nas sociedades modernas - Esposas em Conflito, de Bryan Forbes -, fez o terror racial e social que a crítica considerou perfeito para o momento inaugurado pela eleição do presidente Donald Trump. Peele insiste agora no terror para continuar colocando na tela a era Trump. Não, não há nenhum vampiro na Casa Branca. Pior - Peele debruça-se sobre o lado mais sombrio da sociedade dos EUA.
Olhando um espelho
Nós, Us em inglês. US é a sigla de United States. Ao contar a história de uma família que parte em viagem de férias e encontra outra família aterradora - e exatamente igual -, Peele coloca a América no espelho. E não se trata só de uma família de negros, embora o casal principal seja formado por Lupita Nyong'o, num trabalho de voz impressionante, e Winston Duke, que fazia o rei Baku de Pantera Negra.
Os melhores amigos do casal são brancos, e encontram uma família exatamente igual, mas diabólica. São os Reds/Vermelhos, e a retórica anticomunista, para fins de consumo, voltou à moda nos EUA de Trump. Peele reflete sobre o medo irracional. Conclui que o medo do outro, dos outros, só estimula a paranoia.