Criado em 2012, o Edital do Funcultura Audiovisual é responsável em fazer de Pernambuco um dos maiores exemplos de política pública do setor. Mas esta cadeia de produção, que desde 2014 conta com o apoio dos recursos do FSA - Fundo Setorial do Audiovisual, geridos pela Ancine, está em vias de deixar de existir, o que pode diminuir em cerca de dois terços os recursos liberados pelo Governo Federal nos últimos cinco anos. No acordo entre a Secult/Fundarpe e a Ancine, a proporção de investimento é de R$ 3 da agência para R$ 1 dos cofres estaduais.
O 12º Edital está em compasso de espera desde dezembro, quando a Secult e a Fundarpe não receberam resposta da proposta de edital enviada à Ancine, num total que pode chegar a R$ 25 milhões (de um lado, R$ 9, 280 mi do Funcultura; do outro, R$ 15 mi do FSA). As dificuldades da liberação dos recursos das chamadas regionais começaram antes mesmo do acórdão 721/20019, assinado em 27 março último, numa sessão plenária do TCU (Tribunal de Contas da União), com implicações à Ancine e ao mercado audiovisual como um todo. Para o TCU, as prestações de contas dos projetos audiovisuais “não atendem às exigências legais e constitucionais”.
“Diferente dos anos anteriores, a Ancine começou a fazer muitas diligências, ainda na gestão da secretária Antonieta Trindade, e desde essa ocasião convidamos os membros do Conselho Consultivo do Audiovisual para ficarem cientes da situação. Em janeiro, fomos fui ao Rio, na companhia do secretario de cultura, Gilberto Freyre Neto, e do produtor Chico Ribeiro, escolhido como representante da sociedade civil, onde expusemos a situação”, explica a secretaria executiva de cultura, Silvana Meireles.
“Naquele momento, o ponto em que a Ancine se fixou foi a diferença de funcionamento do nosso edital com o outros outros convênios, já que não liberamos os valores integralmente, mas em parcelas. Explicamos que o Funcultura funciona assim por lei e comprovamos, com documentos, que isso não atrapalha o fluxo dos trabalhos.”
De acordo com Silvana, depois disso a Ancine fez novas diligências nos documentos do Funcultura. Há duas semanas, a diretoria da agência avaliou o projeto e comunicou que ele havia sido aprovado, mas com um condicionamento: que todos os projetos de 2014 em diante estivessem quitados.
“Nos fizemos um levantamento para a Ancine onde mostramos porque a totalidade dos projetos ainda não havia sido quitada. Alguns estão na justiça, outros foram prorrogados e também há alguns atrasados. Fizemos um trabalho coletivo com os proponentes para assinarem os termos, agilizarem os pagamentos e toda a questão burocrático”, disse Silvana.
A secretaria executiva disse, também, que vai convocar uma reunião extraordinária do Conselho Consultivo do Audiovisual para debater uma saída para o edital na próxima semana: se vale a pena esperar o dinheiro do FSA ou se lançam o edital com os recursos próprios, ou seja, de R$ 9, 280 mi. A data limite para essa decisão seria até o dia 30, com o lançamento do edital até o dia 15 de maio. “Por outro lado, essa reunião também será de ordem política. Precisamos saber o que significa essa paralisação do FSA para nos organizarmos com outros Estados e novos parceiros”, aponta.
O produtor João Vieira Jr., da Carnaval Filmes, vem acompanhando a situação da Ancine desde a chegada do ex-ministro da cultura, Sérgio Sá Leitão, no governo do ex-presidente Michel Temer. “Com esse governo, vários quadros da Ancine foram mudados, inclusive uma nova política de financiamento, com uma concentração de verbas para produtores do Rio e São Paulo. Essa recomendação do TCU foi feita há um ano quando apontou uma fragilidade na prestação de contas e deu um prazo de 60 dias para a agência se adaptar. Como as medidas não foram suficientes, o TCU pediu um novo plano de trabalho. Estamos esperando esse desdobramento, mas sequer a Ancine foi notificada oficialmente pela TCU. A gente está vivendo um momento em que muitas muitas políticas públicas estão risco. O novo governo disse que a cultura iria sofrer, tanto que extinguiu o ministério”, lamenta.
IMPASSE NACIONAL
Diante da indefinição quanto ao futuro dos recursos públicos na atividade audiovisual no Brasil, o setor ponderar se o país não estaria à beira de voltar ao marasmo da era Collor - época que chegou a ter só dois filmes nacionais lançados por ano.
Por um lado, a visão catastrófica tem algum lastro. A Ancine, agência que fomenta e fiscaliza a atividade por aqui, foi emparedada pelo Tribunal de Contas da União e recebeu dele um um ultimato: ou muda a forma como fiscaliza as finanças dos projetos a ela submetidos ou está suspensa a liberação de verbas públicas. O TCU, que abriu uma sindicância para apurar como a agência fiscaliza o emprego de recursos, achou irregularidades e deu um prazo de 60 dias para que a entidade proponha uma nova forma de controle da prestação de contas de projetos audiovisuais.
A crise ameaça a permanência de Christian de Castro na presidência da Ancine. Na quarta (3), o deputado federal Alexandre Frota (PSL-SP) protocolou na Comissão de Cultura da Câmara um pedido para afastar o dirigente, até que as coisas se resolvam, segundo postou nas redes. E aventou a possibilidade de o Executivo já estar armando sua substituição pelo diretor Moacyr Góes (Dom, Xuxa Abracadabra).
A Ancine fala em receitas do setor na casa dos R$ 25 bilhões por ano e que área emprega cerca de 335 mil pessoas. Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica da USP calcula que o cinema responda por 0,44% do PIB nacional. O mesmo estudo estima que até 70% dos filmes brasileiros exibidos entre 1995 e 2016 foram contemplados com alguma forma de incentivo público.
A decisão do Tribunal de Contas da União, que originou toda a celeuma, é um catatau de mais de 90 páginas e que é resultado de uma auditoria feita em 2017. O relatório, que destrincha irregularidades na forma como a agência fiscalizou as contas de alguns projetos, levanta casos ruidosos e nomes conhecidos do cinema brasileiro. Filmes como À Deriva, de Heitor Dhalia, Ó Paí, Ó, de Monique Gardenberg, e Meu Nome Não É Johnny, de Mauro Lima, são citados.