Tradição Filmada

Documentário leva voz de poeta analfabeto do Pajeú ao mundo

'Leonardo Bastião, O Poeta Analfabeto', de Jefferson Sousa, gira em torno de ilustre figura de Itapetim, ganhando espaço em festivais internacionais

Rostand Tiago
Cadastrado por
Rostand Tiago
Publicado em 21/05/2019 às 9:09
Foto: Divulgação
'Leonardo Bastião, O Poeta Analfabeto', de Jefferson Sousa, gira em torno de ilustre figura de Itapetim, ganhando espaço em festivais internacionais - FOTO: Foto: Divulgação
Leitura:

Itapetim, a cerca de 380 km do Recife, é uma cidade que teve sua história, por muitos anos, longe dos registros acadêmicos. A construção de um passado para o pequeno município do Sertão do Pajeú gira em torno de uma tradição oral, especialmente a da poesia metrificada, como bem atesta a faixa que batiza a localidade como “ventre imortal da poesia”. É nesse cenário que surge o poeta Leonardo Bastião. Mesmo analfabeto, sua arte, pulverizada por diversas reflexões sobre o espaço e a vida, arraigou fortemente no imaginário do Sertão pernambucano. Agora, Bastião virou personagem central do documentário realizado por outro filho de Itapetim, o jornalista Jefferson Sousa.

Sousa dirige, roteiriza, produz e monta Leonardo Bastião, O Poeta Analfabeto, finalizado neste ano e já selecionado para festivais nacionais e internacionais, como o Viva Film Festival, principal evento do cinema da Bósnia & Herzegovina, país da região dos Bálcãs, na Europa, além do XXIII International Ecological Film Festival To Save And Preserve, realizado na Rússia. Jefferson, morando no Recife desde 2012, considera este como seu primeiro filme, mesmo já tendo reunindo em vídeo histórias desses poetas para ajudar em seu trabalho de conclusão de curso, que também foi fruto dessa relação do jornalista com a poesia de sua terra.

"Eu gosto de dizer que minha paixão pela cultura do Pajeú cresceu muito mais quando eu saí de lá. Quando eu estava dentro desse universo, eu não percebia que aquilo era cultura e que fazia parte dessa produção. Quando vim para cá, comecei a estudar jornalismo e tive uma visão diferente, passando a perceber essa importância e trabalhando com isso no final do curso", explica Sousa. O projeto foi feito no modelo de série para jornal impresso e publicado no Jornal do Commercio, onde Jefferson foi estagiário do caderno de Cultura. Com a série ele venceu o Prêmio Cristina Tavares, na categoria Jornalismo Literário (Estudantes). Um vídeo feito para auxiliar na transcrição dos textos acabou se tornando um curta experimental, lançado no YouTube, contando hoje com mais de 730 mil visualizações na plataforma.

Nesse vídeo, um dos maiores destaques é o próprio Leonardo Bastião, que também possui outros materiais divulgados pela internet, garantindo-lhe certa fama. A verve de Bastião despertou a vontade do jornalista de fazer um documentário mais abrangente. Decisão que foi sendo postergada enquanto dava prioridade a outras atividades. "Em outubro do ano passado, minha mãe faleceu e eu fiquei meio sem chão, sem cabeça para nada. Como fui passar um mês em Itapetim, procurei ocupar a cabeça com o documentário. Leonardo Bastião, antes de qualquer coisa, é um grande amigo e um grande conselheiro, então eu estava do lado de alguém em quem confiava e decidi usar esse tempo", relata.

 

Leonardo Bastião em gravação

A produção acabou sendo uma das mais independentes possíveis. O orçamento saiu do bolso do próprio Jefferson, mas algumas ajudas apareceram no caminho. O diretor de fotografia e co-produtor José Robernito se colocou à disposição do projeto, além de conseguir equipamentos emprestados com a TV Pajeú. Quem também ajudou na produção foi Bernardo Ferreira, pai do diretor, peça importante para fazer contato com personagens. "Leonardo Bastião me recebe sozinho, conversa, mas não grava se Bernardo não estiver lá, ele realmente se prende. Ele ainda disponibilizou o carro para percorremos áreas rurais, foi uma ajuda importante", destaca.

Ganhando o mundo

O filme terminou de ser montado em fevereiro passado, com um corte de aproximadamente 21 minutos. A exibição está sendo por meio dos festivais, estando ainda no processo de avaliação de alguns deles. A estreia nacional está confirmada no Fest Cine Pedra Azul, realizado em Domingos Martins, Espírito Santo. Nesse processo, o diretor conta que se deu conta do caráter ligado ao meio-ambiente.

"O festival da Bósnia apontou que a parte que mais gostaram do filme era sobre a conectividade com a natureza. É engraçado porque quando traduzimos para o inglês, a métrica da poesia se perde. Mesmo assim, esse sentimentalismo todo que ele tem, sobre o mundo, a natureza e as pessoas, fez com que com esses festivais nos abraçassem. Quando falamos de meio-ambiente, você imagina alguém gravando um rio ou animais, mas esse olhar dele, até religioso, acabou sendo um diferencial nessa abordagem ambiental", elabora Sousa.

Jefferson se prepara para ir à Sarajevo, capital da Bósnia, em setembro, onde além de exibir o documentário, também participará de uma mesa de debates com outros diretores sobre cultura e meio-ambiente. Ele se diz bastante ansioso pela viagem, mas também satisfeito com o que conseguiu conquistar, podendo levar esse olhar do Pajeú carregado de afeto e orgulho da cultura local.

"Eu sou uma pessoa que jamais teria a possibilidade de fazer uma viagem internacional e o cinema independente está me possibilitando isso. Eu não estou inserido naquilo que podemos chamar de mercado cinematográfico, sou apenas alguém que admira a própria cultura. Quis registrar o que Leonardo Bastião significa e também poder lidar com um momento difícil da minha vida. Agora tirei passaporte, isso é muito absurdo para mim. Cheguei no Recife para trabalhar em subemprego. Em 2014 consegui entrar em uma faculdade e continuar trabalhando, parece que as coisas saíram do eixo para alguém como eu estar onde estarei. Estou assustado e agradecido", conclui.

 

Jefferson Sousa, diretor de 'Leonardo Bastião, O Poeta Analfabeto'

Últimas notícias