A pequena mostra Especial do Cinema Alemão, desta sexta-feira (31/5) até domingo (2/6), no Cinema da Fundação/Museu, em Casa Forte, em colaboração com o Consulado Alemão, é composta por três longas-metragens, dentre os quatro que representaram o País na Berlinale 2018. Embora a imprensa alemã tenha lamentado a falta de prêmios naquele ano, a seleção teve forte recepção da crítica, tanto internacional quanto da Alemanha, com um dos filmes – Em Trânsito (Transit, 2018), de Christian Petzold – tendo sido exibido em vários países, inclusive o Brasil.
É verdade que três filmes, mesmo que tenham participado de um festival como a Berlinale, não conseguem dar uma visão completa de uma cinematografia. Mas, individualmente, cada um tem seu valor e merecem ser vistos, ainda mais que serão exibidos uma única vez na tela grande e com entrada gratuita. Entretanto, pelo menos dois têm algo em comum: a presença de ator Franz Rogowski, que protagoniza tanto Em Trânsito quanto em Nos Corredores (In den Gängen). Uma das jovens estrelas do cinema alemão, o ator parece um híbrido entre Joaquin Phoenix e Vincent Gallo – como disse o cineasta americano Sean Baker, de Projeto Flórida (The Florida Project, 2017) e Tangerina (Tangerine, 2015).
O primeiro a ser exibido, às 20h, é o drama social Nos Corredores, de Thomas Stuber, que retrata o universo de operários de um supermercado de uma área oriental de Berlim. O cenário principal, onde empregados e fregueses circulam, são os longos corredores, onde tudo parece viver sob as leis da ordem e no seu devido lugar.
O personagem central do filme é Christian (Rogowski), um jovem calado – tão calado que sua afazia enerva os colegas –, que é contratado para renovar os estoques de bebidas. Thomas Stuber apresenta o personagem sempre no começo de um novo turno, a partir de detalhes de um ritual onde ele arruma a vestimenta de trabalho para cobrir suas tatuagens nos braços e no pescoço. A rígida concepção visual do filme, quase matemática, em que planificação, ritmo e interpretação estão inextricavelmente interligados, parece se estender à despersonalização imposta pelo trabalho.
Durante o período de experiência, a despeito de toda a imposição do espaço frio e impessoal, Christian abre-se mais em virtude da amizades que estabelece com Bruno (Peter Kurth), que lhe ensina o difícil manejo das empilhadeiras, e da aproximação com Marion (Sandra Hüller, a workaholic de Toni Erdmann), que trabalha no corredor de doces e inicia com ele uma relação de intimidade. Rico em observações e dotado de uma linguagem peculiar, Nos Corredores é um filme incomum e surpreendente.
Ao contrário de Nos Corredores, Em Trânsito, que vai passar no domingo (2/6), às 18h, é o retrato da imprecisão. Christian Petzold desenvolve a narrativa, capitaneada por Georg (Rogowski), um homem que tenta fugir da França ocupada, ao se deslocar de Paris para Marselha, sem avisos prévios aos espectadores. É quase um choque para se perceber que o filme, embora conte uma história situada em 1940, se passa no momento atual, sem que cenários, carros, roupas ou adereços remetam ao passado.
Essa estranheza, entretanto, é justamente o efeito que Petzold queria criar, ao adaptar a história da escritora francesa Anne Seghers: mostrar como aqueles personagens só existem no interstício da espera, enquanto sonham com um trem que irá levá-los para algum lugar seguro, onde outras pessoas, amantes ou amigos, estariam lhes esperando.
A possibilidade da história de amor entre Georg e Marie (Paula Beer), mesmo que ele tenha ficado com o nome e o salvo conduto do marido que ela esta à espera, é uma polaroide dos tempos incertos, já evocados pelo diretor em Fênix (2014) e Bárbara (2012), que formam uma trilogia à sua maneira.
ROMY SCHNEIDER
O terceiro longa-metragem, que será exibido amanhã, às 20h05, é o tocante 3 Dias em Quiberon (3 Tage in Quiberon), de Emily Attef, a reconstituição de uma entrevista que a atriz Romy Schneider deu a dois jornalistas da revista Stern, durante um período em que estava internada numa clínica de reabilitação, na costa francesa, em 1981. Imersa numa depressão profunda, logo após o suicídio do marido e entregue ao álcool, Romy tentava retomar a carreira e o convívio dos filhos, ainda crianças.
Ainda vista com maus olhos pela imprensa alemã, desde quando abandonou o país para se radicar na França, ela é colocada no canto da parede pelo jornalista Michael Jürgs (Robert Gwisdek), que a obriga a revelar a situação em que estava: “Uma infeliz mulher de 42 anos”, diz. A atriz Marie Bäumer, uma sósia de Romy, faz valer cada minuto do filme.