Ator que, como poucos, consegue imprimir dois ou três tons acima em seus personagens com a naturalidade de quem toma um copo d`água, Aramis Trindade é uma das forças pernambucanas a serviço de Amorteamo, a minissérie global em que esse Recife fantasmagórico do começo do século 20 é pintado com as tintas de um certo expressionismo alemão. “É a primeira minissérie de terror da Globo. Ela é, nesse aspecto, muito naïf. Me lembra muito o barbeiro de Tim Burton, tem muita luz de vela, lembra os contos de Gilberto Freyre”, diz, por telefone, do Rio, onde mora, um entusiasmado Aramis.
Na série, Aramis repete a parceria com o também pernambucano Bruno Garcia que fez o sucesso da dupla Cabo 70 e Vincentão na versão televisiva de O auto da compadecida. Bruno faz o irmão morto que “volta” para tocar as coisas da vida com o personagem de Aramis.
“Ele ‘volta’ porque meu personagem herda dele um bar, a mulher e até a peruca”, diz Aramis, virgulando as falas com sua característica risada rápida e sincopada. A mulher do personagem Manoel é vivida pela atriz Guta Strasser (ex-A Grande Família), responsável por Cândida, plantonista e difusora da vida alheia na trama. “Esse bar tem uma visão privilegiada da cidade, porque fica ao lado do bordel e da igreja. A mulher é uma grande fofoqueira, o meu personagem é mais discreto. Mas são ambos jocosos. Como é um melodrama, as pessoas choram demais, amam demais”, diz ele, que recorreu à parte da memória afetiva da adolescência em Caruaru e Arcoverde para dar conta dos excessos do personagem.
A minissérie, aliás, oferece outro reencontro profissional para Aramis: com a própria diretora Flávia Lacerda. “Nós fomos atores juntos num grupo de teatro de Ariano Suassuna, em Recife. Tenho uma admiração por ela, afetiva e a artística. Além da cultura que tem, sua forma de dirigir é carinhosa, faz a gente trabalhar na zona de conforto”.
Verbete fundamental na história da retomada do cinema pernambucano, Aramis se mandou pro Rio logo depois de ganhar um prêmio no Festival de Brasília por sua atuação no Baile Perfumado (1997), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas. “Guel (Arraes) me chamou pra fazer O Auto da Compadecida. Mas eu ia e voltava”, diz ele, que na ponte aérea Rio-Recife fazia trabalhos como o da minissérie Mulher, de Daniel Filho. “Eu filmava na Globo e voltava para Recife”.
Quando rolou, em 2001, a temporada de quase um ano da peça Lisbela e o prisioneiro, com Livia Falcão e Selton Mello, entre outros, ele se mudou de vez para o Rio. Hoje, mora com a mulher e produtora Alessandra Alves e a mais nova dos quatro filhos, Marina, 9, no bairro do Recreio, relativamente perto da Globo. “Meu contrato com a emissora vence agora. Espero que renovem”, diz ele, entre risos, sobre os vários contratos de um a três anos com a emissora. Num dos últimos, viveu o Visconde do Sítio do Pica-pau Amarelo. “Hoje, há mais cinema e publicidade e os atores até podem ficar só no Recife. Mas há quinze anos, a gente tinha mesmo que vir pro Rio”, diz.
De lá pra cá, Aramis acumulou uma das maiores folhas de serviços prestados ao cinema brasileiro. Já são 48 filmes, 33 longas entre eles. Este ano, ele pode ser visto em quatro longas. Em Meus Dois Amores, de Luis Henrique Rios, faz o matador Miligirdo retirado da obra de Guimarães Rosa. De André Moraes, contracena com Otávio Müller e Deborah Secco em Entrando numa roubada, filme sobre um filme dentro de outro. “Eu chego para fazer um assalto e não se sabe se de fato é um assaltante ou um ator”, diz ele. Em dezembro, estreia a ficção científica Um homem só, como um capanga que ajuda um cientista a clonar pessoas. Atua com Mariana Ximenes.
No próximo mês, ele integra o tour de force do elenco composto por Lázaro Ramos, Roberta Rodrigues, Susana Vieira, Juliano Cazarré, Lúcio Mauro Filho, Thiago Rodrigues e Otávio Augusto num “filme-relâmpago” de Daniel Filho. Sorria, você está sendo filmado é a versão brasileira de um filme sérvio sobre uma comédia improvável a partir de um suicídio. “Ensaiamos tudo em 15 dias e rodamos em dois. Foi acelerador total”, diz. “Daniel se apaixonou pela história e fizemos todos com cachês simbólicos, na camaradagem”, diz ele, o faxineiro da trama.
Apesar da freqüência, Aramis diz que não é possível ainda viver só de cinema. “Só os protagonistas, que tem participações em bilheterias, conseguem”, diz ele, que “por total falta de tempo” não tem acompanhado a safra recente do cinema pernambucano. Mas que anda doido pra voltar a filmar com “Paulo, Lírio Boy e Claudio”. “Avisa a eles que para os amigos, o cachê é mais barato”, ri.