Cinema São Luiz exibe documentário sobre atriz transexual Phedra de Córdoba

Documentário será exibido durante festival Recifest

Foto: Andre Stefano/Divulgação
Documentário será exibido durante festival Recifest - FOTO: Foto: Andre Stefano/Divulgação

“Eu gosto de ser badalada, não vou mentir. Adoro!” A afirmativa de Phedra de Córdoba, atriz do grupo Satyros, de São Paulo, diz muito sobre ela: fala desse seu jeito espontâneo e grandioso de ser e se impor na sociedade. Foi assim desde sempre, tem sido assim a cada vez que a cubana radicada no Brasil fala de si e de sua história. 

Aos 77 anos, conhecida como a diva dos Satyros e da Praça Roosevelt (em São Paulo, onde fica a sede do grupo teatral), Phedra é personagem central do documentário Cuba Libre, dirigido por Evaldo Mocarzel e apresentado hoje, às 19h30, no Cinema São Luiz, dentro do Recifest – Festival de Cinema de Diversidade Sexual e de Gênero. 

O filme focaliza o retorno da atriz transexual a Havana, 53 anos depois de ter saído do seu país. Nesse contexto, o longa coloca em discussão a luta pelos direitos dos homossexuais na ilha governada durante décadas por Fidel Castro e hoje comandada por seu irmão Raúl (cujo governo aprovou, em 2008, lei que permite a cirurgia de redesignação sexual).

Phedra começou a carreira artística na adolescência, numa companhia de dança, fazendo par com a bailarina Lupi Sevilha. Em 1958, em Buenos Aires, foi descoberta pelo diretor Walter Pinto, que a trouxe ao Brasil para trabalhar em teatro de revista. Aos 21 anos, abandonou de vez as roupas masculinas e assume a atual identidade. 

Ao longo de décadas, a atriz trabalhou com nomes como o comediante Costinha e as cantoras Dalva de Oliveira e Ângela Maria; chegou a se apresentar no Teatro de Santa Isabel, na década de 1970, na peça Vestido de Noiva, com direção de Ziembinski. Depois de fazer parte do elenco de shows das boates gays de São Paulo, entrou, enfim, para o elenco satyriano.

“Comecei nos Satyros há 12 anos. Mas já conhecia o grupo e era amiga deles três anos antes. Quando pensaram em me chamar, um crítico de teatro paulista disse ‘como os Satyros, que acabaram de voltar da Europa, vão colocar uma travesti em cena?’”, lembra Phedra. “Travesti em espanhol é transformista. Então, eu disse a Robson Catalunha (diretor do grupo): ‘diga que não sou transformista. Eu não fiz a cirurgia, mas tenho cabeça de mulher’. Eles então me deram um papel em A Filosofia na Alcova. Estudei o texto e disse: ‘faço!’. No dia da estreia, as pessoas me aplaudiram de pé”, lembra-se. Ela detestava fazer teatro de revista e sempre quis trabalhar no teatro de dramaturgia – que, conta a atriz, sempre foi preconceituoso com as trans. 

PHEDRA POR PHEDRA

Uma das pioneiras atrizes transexuais do Brasil, Phedra levou ao palco, pelo seu corpo e sua postura política, a discussão de gênero nas artes cênicas nacionais. “Alguém tinha que gritar. E fui eu que dei esse grito”, afirma. “Usei minha arte e meu charme para sobreviver. Dois políticos me ajudaram a sobreviver no Brasil, na época da ditadura, pelo fato de ser cubana. Me ajudaram a não ter problema com a polícia. Eu não dizia que era cubana para não me prejudicar. Quando pude dizer, no fim da ditadura, abri o verbo: ‘sou Phedra de Córdoba, cubana’.”

Dona de um bom humor singular e de muito charme, Phedra de Córdoba lembra da sua história com muito orgulho. “Queria ter minha memória aditada para deixá-la para minha família”, diz a atriz. Os relatos, que queria a principio transformar em livro, viraram peça, monólogo protagonizado por ela, com direção de Catalunha: Phedra por Phedra, em cartaz na capital paulista. 

“Toda a minha vida foi puro pulmão. Meti os peitos e fui”, diz a diva. Se um dia precisou fugir de Cuba para viver sua liberdade (a mãe era contra sua sexualidade e o preconceito cubano lhe reprimia ainda mais), hoje Phedra comemora o respeito que tem de sua família. 

“Sou querida pelos meus sobrinhos netos. Meu pai dizia: ‘volta para tua terra para criar teus sobrinhos’. Eu não pude fazer o que ele queria, mas hoje estou mais perto deles. Com a abertura de Cuba, minha sobrinha me escreve abertamente, falando comigo pela internet. Eles têm orgulho de mim”, ela comemora, quase sempre comparada a uma das atrizes do cinema de Almodóvar. “É uma esperança que ele me veja em cena e diga ‘te quiero’. Tem gente que diz que sou a cara do cinema de dele, mas é porque meu teatro é espanhol.”

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