Maurício Stycer expõe a realidade da TV aberta em livro

Transformação no hábito de ver televisão é o tema de Adeus, Controle Remoto

Foto: Lucas Lima/Divulgação
Transformação no hábito de ver televisão é o tema de Adeus, Controle Remoto - FOTO: Foto: Lucas Lima/Divulgação

A televisão que conhecemos, obviamente, não é a mesma dos anos 1950. Tampouco não vivemos um período de consolidação do veículo que está em nossas casas há quase sete décadas. A telinha, que passou do preto e branco ao colorido, do analógico ao digital, agora vive um outro momento de transformação, onde o telespectador não está mais refém das programações fechadas de qualquer canal, aberto ou por assinatura. A autonomia de ver um programa quando quiser, onde quiser e o boom dos serviços de streaming (que tem a Netflix como protagonista) é uma realidade presente e, aos poucos, começa a movimentar tanto emissoras de televisão, quanto aos próprios consumidores.

Mas será que chegou o momento de declarar aposentadoria ao controle remoto? Este foi o mote do livro do jornalista e crítico de televisão do portal UOL, Maurício Stycer. Adeus, Controle Remoto – Uma crônica do fim da TV como a conhecemos coloca este assunto em discussão, além de traçar uma radiografia do que andamos assistindo atualmente. Porém, Stycer não quer com esta obra declarar o fim da televisão por completo: “As pessoas podem achar que eu estou meio apocalíptico, mas não é. O que tem mudado é a forma como estamos consumindo as mídias digitais. A forma como temos acesso à tecnologia. Estamos nos tornando menos escravo das programações determinadas, que cravavam dias e horários para assistirmos um programa. Hoje em dia, o cenário está mudando. Agora temos o poder de montar a nossa grade, e por várias plataformas. Essa é a mudança que está em curso. Não é o fim”, disse o autor em entrevista ao Jornal do Commercio.

A visão de Stycer coincide com a do professor do curso de Comunicação Social do Centro Acadêmico do Agreste, da UFPE, Diego Gouveia: “O controle remoto não está com os dias contados. O momento é de transição e de adaptação. Imaginar a televisão em oposição à internet não faz sentido. A internet é hoje uma aliada da TV, mais uma forma de enviar e receber conteúdos televisivos. Hoje, não estamos exclusivamente sentados diante da TV. Consumimos esses produtos em outras telas. Ela continua sendo o veículo com grande penetração social e com maiores investimentos publicitários”, afirmou o acadêmico.

Uma das formas que Maurício menciona no livro sobre esta nova forma de assistir televisão são as experiências conhecidas como transmídia: “A novela Cheias de Charme (2012), da Rede Globo, é um dos exemplos bem sucedidos desta dinâmica, em que a televisão gerou um conteúdo inédito para o online que veio complementar a história que estava sendo contada”, disse o crítico.

Diego Gouveia também colocou a transmídia como a principal adaptação da TV diante desse novo cenário: “As estratégias transmídias fazem parte hoje do dia a dia de boa parte dos profissionais que trabalham com televisão. Isso mostra que a TV está atenta a essa nova lógica de produção, distribuição e consumo de conteúdos televisivos, articulada com as mídias infoeletrônicas e com as possibilidades de interação e participação dos espectadores”, explicou.

Com o advento da Netflix, os telespectadores também passaram a redefinir o conceito de assistir um programa de TV. Mas Stycer defende que a nova plataforma veio para somar: “A Netflix é disruptiva no momento em que ensina ao telespectador que ele pode assistir a hora que ele quiser e como ele quiser. Quando eles pegam uma série nova e põe todos os capítulos, por exemplo, ela reeduca o telespectador de alguma forma. Não considero ela como uma vilã”, reforça. 

Para Diego, há uma relação de reciprocidade entre as duas tecnologias: “A Netflix tirou as emissoras de televisão de uma zona de conforto. Não é à toa que elas acompanharam esse movimento e criaram aplicativos para os usuários acessarem sob demanda, na hora e no lugar que quiserem, os conteúdos de sua programação. No entanto, esse movimento não fez com que as emissoras de TV optassem por lançar seus conteúdos apenas nessas novas plataformas. O fluxo televisivo com sua grade de programação ainda alcança boa parte da população. A Netflix contribui para o que seria uma TV do futuro, mas é importante destacar que ela e TV se influenciam mutuamente”, explicou o professor.

Diante de um cenário de baixa procura pela TV, inclusive pelos canais por assinatura, as emissoras abertas acabam apelando, das piores formas possíveis, por mais dígitos no ibope. Situação esta que mereceu um rico capítulo com análises de vários programas por Maurício Stycer no livro: “O modelo da televisão aberta é baseado em publicidade. Nem sempre audiência significa um público qualificado. O público que consome TV aberta hoje em dia é totalmente diferente do passado. Essa disparidade acaba levando às emissoras ao exagero. A televisão não precisa ignorar a audiência, eles precisam desse modelo. Mas os programas precisam ser criados antes de se pensar nos dígitos do ibope”, frisou.

Além de falar sobre novelas, ainda há na obra de Stycer um capítulo dedicado às séries, que tem dominado as rodas de conversa, principalmente entre os mais jovens. Ao indagarmos se o Brasil um dia chegará ao nível de qualidade norte-americano de produzir seriados, o jornalista revelou-se otimista: “Sinceramente, eu acho que sim. Um bom exemplo dessa capacidade foi Dupla Identidade (2014), de Glória Perez. Tinha umas referências claras de algumas séries estrangeiras. Ainda não é uma prioridade na Globo, mas eles sabem fazer. Amores Roubados (2014) é um outro exemplo desse talento, basta investir mais nesse formato”, colocou.

O momento é de enxergar a televisão sob um novo prisma. E o controle remoto, pelo visto, vai tentando sobreviver a mais esta revolução digital, onde todo o poder e autonomia está sendo dada para os telespectadores.

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