Com a terceira temporada em preparação, "La Casa de Papel", a série de língua não inglesa mais vista na Netflix, é um autêntico fenômeno mundial, cuja força reside em "confundir moralmente o espectador", afirma à AFP seu criador, Álex Pina.
Quando a gigante americana passou a disponibilizar em seu catálogo, no ano passado, esta série espanhola sobre um espetacular roubo à Casa da Moeda da Espanha, em Madri, a transformou, inesperadamente, em um sucesso. Anteriormente, sua exibição no canal de televisão espanhol Antena 3 havia atraído uma audiência limitada.
Apoiada em uma simbologia forte, como a canção de resistência "Bella ciao", à qual a série deu uma segunda vida, ou as máscaras de Dalí que os assaltantes usam e que são vendidas aos montes nas ruas, "La Casa de Papel" prende até famosos, de Neymar a Alejandro Sanz, que pediu um DVD antes de sua estreia na Netflix, segundo Pina.
Produto paradigmático de uma era em que as séries são consumidas em qualquer lugar e a qualquer momento, "La Casa de Papel" atrai os telespectadores com o ingrediente viciante do suspense e o desejo destes de entrar na vida fictícia e real de seus protagonistas.
São ladrões de bom coração com nomes de cidades como "Nairóbi", "Denver" e "Rio" e reúnem hordas de fãs nas redes sociais. Uma das atrizes, Úrsula Corberó ("Tóquio"), bate recordes com 5,4 milhões de seguidores no Instagram.
À margem do Festival de Televisão de Monte Carlo, Pina e a roteirista e coprodutora Esther Martínez Lobato conversaram com a AFP sobre a série e sua terceira temporada, que estreará em 2019, para a qual, garantem, a Netflix tem carta branca.
Entrevista
PERGUNTA: Sua série se inspirou no movimento de protesto dos Indignados na Espanha. Até que ponto estão chamando o público à resistência?
RESPOSTA: (Martínez) A mensagem política é a última coisa de que queremos falar na escala de coisas que queremos falar. Temos uma quadrilha de desencantados, de perdedores, uma "Tóquio" que não tem aonde ir, uma "Nairóbi" que tem uma história tremenda, todos os personagens tem uma realidade muito dura, onde você se une a eles porque quer que ganhem.
P: A Netflix não divulga dados sobre audiências. Vocês conhecem seu público?
R: (Martínez): O perfil não está muito claro, porque muita gente gosta (da série). A Netflix não dá dados, mas hoje em dia de alguma forma estes não são necessários porque as redes sociais te situam em lugares: a comunicação é direta.
(Pina): Brasil, Argentina, França, Turquia são (os países) onde parece que temos mais sucesso.
P: Então é nas redes sociais que encontram sua audiência?
R (Pina): As redes sociais te dão muita informação, mas havia por exemplo uma grande parte das pessoas que queriam matar Arturo e que realmente o odiavam. E no entanto a Netflix fez uma amostra entre os fãs da série e uma das coisas mais fascinantes é que as pessoas gostam de odiar Arturo. Há mensagens muitas vezes que são contraditórias.
P: No entanto, Arturo, um refém, é um dos mocinhos.
R: (Pina) Estamos confundindo o espectador moralmente. Ele não sabe se "Berlim" é um cara que se deve odiar, é realmente misógino, desprezível, cruel, e mesmo assim você o adora. Estamos mudando o foco moral e manipulando o espectador, e acho que o espectador gosta que façamos isso.
P: Esta terceira temporada produzida pela Netflix é arriscada, considerando como acaba a segunda?
R: (Pina) Estivemos dois meses pensando se podíamos abrir (a série). Encontramos uma ideia que achamos que é maravilhosa, fomos à Netflix e tudo foi implementado. Vamos tentar trabalhar a fragmentação, a desordem do tempo. O espectador é cada vez mais especialista, vê muitíssimas horas de ficção por dia. Pode ser que cheguemos a manejar cinco tempos em um mesmo capítulo.
P: As série representam uma séria concorrência para o cinema?
R: (Pina) Sim. Noto como espectador que o que está acontecendo com as séries é que quando vou ao cinema parece que este está ficando como o irmão mais novo. As séries são a nova literatura por fascículos, vejo isso em casa com a minha filha, que não lê, vê séries.
P: O cinema ficou para trás?
R: (Martínez) Vamos passando por fases na narrativa. Há épocas em que era mais interessante a comédia, o lúdico, os gêneros e finalmente chegamos a um lugar onde as pessoas estão muito interessadas na vida dos personagens. E as possibilidades de uma série que tem ao menos 10 capítulos são infinitamente maiores do que as que um filme pode ter em 90 minutos.