Quando o mainstream se lança na tentativa de produzir obras voltadas para os públicos de fora de seus grandes eixos, como o europeu e o norte-americano, não é incomum que se deparem com uma tensão entre identidade local e convenções mais globais. Conciliações mal realizadas entre esses dois elementos, com o peso maior às demandas narrativas mais internacionais, acabam por trazer retratos esterilizados de seus locais de origens. É desviando-se disso que Sintonia, série do serviço de streaming Netflix, consegue dar uma voz bem própria a uma linguagem melodramática, investindo em um drama juvenil periférico impulsionado pelo funk, crime e religião.
A atração é idealizada por Kondzilla, o maior nome na produção audiovisual dentro do funk, dono de 51 milhões de seguidores em seu canal no YouTube (se cada um desses representasse uma pessoa brasileira, seria algo em torno de 25% da população nacional). Nesse novo passo, Kond divide a direção com Johnny Araújo para contar a história de três jovens amigos de infância: o aspirante a funkeiro Doni (Jottapê), o traficante Nando (Christian Malheiros) e a ambulante Rita (Bruna Mascarenhas). Cada um com seus sonhos, mas sempre contando com a ajuda do outro nas “tretas” que aparecem, buscando a melhor alternativa para sobreviver na periferia de São Paulo.
Trio na luta
Conduzida por essas tramas conectadas, Sintonia busca abraçar essas três estratégias de ascensão sob um olhar que abraça a ambiguidade, sem procurar amparo em moralismos frouxos. Sem muito tempo dedicado aos muros de algumas instituições educacionais, por exemplo, a vida dos três jovens se desdobram nas ruas, englobando bailes funks, bocas de fumos e igrejas. Espaços que são transportados para a tela com um senso de movimento e localização já bem apurados por Kondzilla em suas outras produções.
Ainda há flexão do drama adolescente para uma realidade periférica menos "Malhaçãonizada" e, de certa forma, mais viva por isso. A série encontra um certo equilíbrio entre o pueril e a dureza que funciona bem na construção de um produto acessível.
Entretanto, ainda há o que se ajustar para que o desenrolar fique mais fluido. A montagem ora consegue equilibrar esses três, mas também insiste em picotar passagens, saltando de uma trama para outra em curtos espaços, no que parece ser uma tentativa de estender a tensão, mas que acaba dissipando-a. O próprio roteiro também acaba por construir expectativas e personalidades que mudam ou são esquecidas de acordo com a conveniência dos eventos.
Contornando esses aspectos, o trio de atores consegue acertar o tom de seus personagens. Malheiros, com certeza, é um dos maiores destaques nesse ponto, transparecendo um senso de urgência misturado com uma introversão de forma bem expressiva. Jottapê aposta em uma espécie de agressividade contida também muito eficiente e Bruna desempenha uma mudança de postura bem alinhada com os rumos de sua personagem.
Dentro desse trabalho, encontramos a verbalização dos diálogos em grande parte bem intencionados e executados, mas que encontram momentos de excessos no sotaque. Mesmo assim, nada que ofusque o promissor abraço dessa localização bem feita da narrativa, a principal força de Sintonia.