Hunters, nova série da Amazon Prime Video, é o tipo de produção que desperta curiosidade imediata tanto por seu enredo quanto pelos envolvidos em sua execução. Produzida por Jordan Peele (Corra e Nós) e com Al Pacino no elenco, a obra é livremente inspirada em casos reais e acompanha um grupo de justiceiros que tenta rastrear – e matar – nazistas vivendo nos Estados Unidos durante os anos 1970. A premissa interessante e os talentos envolvidos, porém, não são suficientes para evitar uma série de clichês e até situações problemáticas que fazem com que a série seja desprovida de identidade, se transformando em um grande pastiche.
Logo na primeira cena de Hunters, acompanhamos Jonah (Logan Lerman) e dois amigos saindo de uma sessão de Star Wars. Fascinados por quadrinhos e cultura pop, eles discutem a natureza da escuridão e da luz (o bem e o mal) a partir da figura de Darth Vader. A conversa parece saída de um filme de Quentin Tarantino, mas sem a sagacidade do diretor. Ao longo da série serão muitas as referências ao cinema de Tarantino, que por sua vez já é marcado por inspirações das décadas de 1960 e 1970, como fica explícito e Jackie Brown e Era Uma Vez Em Hollywood.
Esse dilema entre o certo e o errado logo se apresenta ao próprio Jonah quando ele vê sua avó Ruth (Jeannie Berlin), uma sobrevivente dos campos de concentração na Alemanha nazista e sua única parente, assassinada dentro de casa. O jovem de 19 anos logo desconfia que há algo por trás da morte de sua avó, mas é ouvido com descrédito pela polícia.
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É então que entra em cena o milionário Meyer Offerman, que se apresenta como amigo de sua avó. Vivido por Al Pacino, ele também é um judeu que conseguiu escapar dos horrores da guerra. Em busca por justiça, Jonah começa a investigar por conta própria o que lhe leva a desvendar segredos do passado de Ruth. Ele descobre que sua avó integrava um grupo de pessoas, do qual também faz parte Meyer, que caçam nazistas infiltrados nos EUA.
Os integrantes do grupo são arquétipos que passam desde a justiceira Roxy (Tiffany Boone), uma referência a Pam Grier e aos filmes de Blaxploitation, ao carismático casal de judeus Mindy (Carol Kane) e Murray (Saul Rubinek) e a Sister Harriet (Kate Mulvany), uma ex-agente do MI-6 que se veste com hábito de freira. Ainda que renda bons momentos, com pinceladas da vida pessoal de cada um, os personagens não chegam a ganhar camadas de complexidade.
Paralelamente à investigação do grupo está a da agente do FBI Millie Morris (Jerrika Hinton), que também tenta solucionar o caso, mas pelas vias da Justiça. Negra e lésbica, ela tem que lidar com vários preconceitos dentro da instituição em que trabalha.
Os discípulos de Hitler teriam um plano para adentrar o governo americano e, assim, dar continuidade às políticas genocidas do ditador. Quando aparecem em cena, os nazistas são apresentados como vilões de filmes B, sempre despidos de emoções e prontos para exercer os atos mais cruéis em um piscar de olhos.
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É uma abordagem que difere, por exemplo, do indicado ao Oscar Jojo Rabit, também ambientado na Segunda Guerra Mundial, que aborda os personagens de maneira complexa, sem apagar as atrocidades cometidas pelos apoiadores de Hitler. Segundo o criador da série, David Weil, essa representação extremada de mocinhos e vilões foi cristalizada ainda na infância, quando ouvia as histórias de sua avó, sobrevivente dos campos de concentração. Ele costumava pensar no Holocausto como uma história em quadrinhos, o que ele tentou refletir na série.
PROBLEMAS
Infelizmente, essa opção narrativa acarreta vários problemas para a obra. Com dez episódios de pouco mais de uma hora cada um, a série é permeada por flashbacks que remontam à Segunda Guerra Mundial, mais especificamente às atrocidades sofridas pelos judeus. Em muitos momentos, porém, a violência parece fetichizada e incomoda. Uma cena, por exemplo, envolve um sádico jogo de xadrez e foi duramente criticada por entidades judias e inclusive pelo Museu de Auschwitz por ser desrespeitoso com os judeus assassinados.
A série chega ainda a tocar em temas importantes, como racismo, machismo e dependência química, mas nunca se aprofunda neles, desperdiçando oportunidades. O nazismo é uma sombra que dificilmente deixará de rodear a sociedade.
Sua ideologia segregacionista e facínora ainda é perpetuada por muitos, inclusive em discursos oficiais, como o que derrubou o ex-secretário de Cultura de Bolsonaro, Roberto Alvim. Mas, com diálogos forçados e cenas que se perdem ao tentar copiar o que já funcionou em outras obras com mais personalidade, Hunters falha em oferecer bom entretenimento, catarse e também reflexão.