ROMANCE

Paloma Vidal faz narrativa sobre a memória em Mar azul

Em novo livro, a escritora argentina que mora no Brasil criar diários em cima dos diários do pai para investigar as próprias lembranças

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 22/12/2012 às 6:21
Renato Parada/Divulgação
Em novo livro, a escritora argentina que mora no Brasil criar diários em cima dos diários do pai para investigar as próprias lembranças - FOTO: Renato Parada/Divulgação
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A consciência de que a memória é algo que se modifica cada vez que é resgatada e que se contamina do presente a cada instante, mesmo quando não percebemos, parece ser um dado fundamental para pensar parte da literatura produzida no Brasil atualmente. Esse, na verdade, sempre foi um fundamental da escrita, mas a contemporaneidade parece problematizar cada vez mais as possibilidades do memorialismo. É sobre essas lacunas e reconstruções da memória de que fala o romance Mar azul (Rocco, 176 páginas, R$ 30), da argentina radicada no Brasil Paloma Vidal, uma das boas revelações recentes da produção brasileira.

A autora, uma das convidadas da Festa Literária de Paraty deste ano, nasceu em Buenos Aires mas, desde os dois anos, veio morar no Brasil. Por aqui, já lançou três livros, incluindo os romances Algum lugar e Mais ao sul, este último já traduzido para o espanhol.

Em Mar azul, Paloma investe em uma narrativa que, apesar de trazer referências aos idiomas falados e às cidades em que se passe, acontece na verdade em um lugar indefinido, a da própria escrita. O início da obra se dá por meio de diálogos diretos entre a protagonista e narradora da história e sua amiga Vicky, quando ambas eram adolescentes e confidentes.

A partir da página 40 da obra, no entanto, há um salto brusco para a velhice da personagem, que escreve uma diário (e suas memórias) por cima dos cadernos feitos por seu pai que a deixou. De certa forma, a filha reproduz o que ele fazia nos seus textos datilografados, dando ao leitor descrições prosaicas do seu cotidiano – nadar, lavar as louças, observar as ruas.

O pai, antes uma ausência, vai se tornando uma pergunta com o caminhar do livro. Mas por que ele escreveu de forma tão metódica sobre coisas aparentemente irrelevantes da sua vida? “Meu pai decidiu anotar o que estava perdendo nestes cadernos, que hoje são minha herança. A memória precisava se tornar um armazenamento visível”, tenta racionalizar.

Há, no livro, um formato bastante caro à literatura atual: mais do que descrever o processo de reinvenção da memória da personagem, o livro em si tenta ser esse processo. Projeto de obra e obra estão, portanto, unidos, ainda que a trama narrativa fique em segundo plano. Mar azul é a própria necessidade da materialização visível que a filha descobre na sua escrita e na do pai: nisso reside seu interesse, mas é aí que também esse interesse acaba: faltam momentos mais significativos, cenas ou passagens marcantes. A coerência da narrativa está ali, mas talvez faltem – ainda que intencionalmente – elementos de sedução, algo além da crueza da proposta da obra.

Leia mais no Jornal do Commercio deste sábado (22/12).

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