ENTREVISTA

Inez Cabral fala do seu pai, João Cabral, e do Capibaribe

A cineasta fala ao Jornal do Commercio sobre a relação do poeta pernambucano com o rio e dos projeto para o acervo do seu pai

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 23/12/2012 às 6:00
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Filha do poeta João CAbral de Melo Neto, a cineasta Inez Cabral foi a responsável pela organização dos versos presentes no coletânea O rio, com os poemas do autor sobre o Capibaribe. Nesta entrevista, ela lembra a importância do rio para o pai e comenta os planos futuros para a sua obra.

JC - Como surgiu a ideia de organizar um livro com os poemas de João Cabral em torno da temática do rio?
Inez Cabral -
A livraria Saraiva queria um livro que anexasse os poemas maiores (em tamanho) de João Cabral e como os três têm o rio Capibaribe como personagem, propus que se inserissem nele os poemas que se referem ao Capibaribe. Fico feliz que a proposta tenha sido aceita.

JC - Foi difícil selecionar os poemas sobre rios de João Cabral - principalmente os que não fazem parte do três principais da obra, Cão sem plumas, O rio e Morte e vida...? Como foi o processo de construção da obra, no geral?
Inez -
O rio Capibaribe sempre esteve presente no pensamento dele, costumava inclusive falar dele sempre que se deparava com outro rio. Como sou fã de carteirinha, saí lendo, relendo e selecionando todos os poemas sobre o Capibaribe escritos por ele ao longo de sua obra, poemas em que descreve o rio, ou em que usa o rio como metáfora. Foi um trabalho gratificante e enriquecedor, como espero que seja também a leitura do livro.

JC - Como foi a escolha de Lobo Antunes para prefaciar a obra? Ele já era um assumido admirador da obra de João Cabral?
Inez -
A escolha de António Lobo Antunes não foi minha, mas do editor Marcelo Ferroni, eu fiquei orgulhosa de ter  o mestre prefaciando o livro. Eu sabia que Antunes gostava de João Cabral, só não imaginava que gostasse tanto. Adorei!

JC - É possível dizer que a principal paixão poética de João Cabral era o Rio Capibaribe? Por que esse rio o fascinava tanto?
Inez -
Essa pergunta, apenas ele poderia responder. Mas como tenho para mim que a poesia dele se alimentava da memória, e como o rio Capibaribe pautou a sua infância e primeira juventude, acredito que fosse uma de suas maiores referências.

JC - João Cabral certa vez disse em uma entrevista: "Eu nasci na frente do Capibaribe". Como era a relação dele com o rio? Você chegou a ter esse convivência próxima ao Capibaribe?
Inez -
Uma coisa de que gostei muito ao selecionar os poemas, foi ver como o Capibaribe foi para ele o que é a Bahia para Gilberto Gil, isto é: sua régua e compasso, ou como o próprio João Cabral diz no poema Prosas da maré na Jaqueira: "Maré do Capibaribe/ minha leitura e cinema:/ não fica vazio muito/ teu filme, sem nada, apenas." Até hoje, quando vou ao Recife e vejo o Capibaribe, me emociono. Por sinal, achei que a estátua dele na beira do rio está no lugar que com certeza ele teria escolhido.

JC - João Cabral também morou em Sevilla, cidade também amrcada pela presença de um rio. Ele chegou a comparar os dois espaços? Por que o Capibaribe é tão marcante, em comparação ao Guadalquivir?
Inez -
Agora você me pegou. Teria que procurar na obra dele (sou filha dele, apesar de fã de carteirinha não conheço a sua obra de cor). Mas na vida diária ele sempre comparava qualquer rio ao Capibaribe, e ele adorava rios. E o Guadalquivir para ele, era carregado de história, de mouros, ciganos e de sevilhanas em suas margens, isto é, acredito que, como o Capibaribe, "leitura e cinema" da melhor qualidade.

JC - No que as descrições poéticas, sociais e geográficas do Capibaribe podem ajudar a entender o Capibaribe pelo olhar de João Cabral?
Inez -
Desde que o homem é homem e a arte existe, ela veio descrever, apreender, e servir de guia para a compreensão do mundo que nos cerca e do nosso universo interior. É a sensibilidade do homem, posta à disposição do pensamento, das indagações e elucubrações, o que torna possível o trabalho do crítico e do estudioso. Eu não sou socióloga, nem crítica literária, entendo melhor com os olhos da sensibilidade, e por não ser profissional da palavra, prefiro deixar que João Cabral fale diretamente com o leitor para que ele próprio tire as suas conclusões. Para mim, a obra é sempre maior do que os estudos a respeito dela.

JC - Existem planos de novas edições da obra de João Cabral pela Alfaguara, ou ao menos edições temáticas como essa? Há novidades no plano de negociação dos direitos para outras obras ou para traduções?
Inez -
No ano que vem, ainda sem data prevista, será lançado numa edição em fac-simile um manuscrito inédito, o trabalho de pesquisa inicial para a realização de um auto que, por causa da cegueira que o acometeu, não conseguiu terminar, e que se chamaria "Casa de Farinha". O manuscrito termina nos primeiros versos do que seria o auto, e poderá ver-se nesse trabalho como funcionava a cabeça dele, como nasciam seus poemas. A nossa proposta é não deixar que a obra de João Cabral fique esquecida em prateleiras poeirentas de bibliotecas eruditas ou de livros de escola, apesar de saber da importância da sua leitura por estudantes. Quanto a traduções, não sei em que pé estão, seria preciso conversar com a sua agente.

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