Mesmo depois de morto, um escritor continua a ser construído, cada vez com menos direito a controle da sua própria imagem e obra. Quando o autor se transforma num mito literário, como é o caso de Fernando Pessoa, o que existe é uma obsessão pela descoberta até dos mais pequenos fragmentos da sua vida.
O lançamento no Brasil do livro Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz – Correspondência amorosa completa 1919-1935 é um sintoma desse mergulho a fundo no autor. Não que a pesquisa de documentos e cartas do poeta seja recente – Pessoa só publicou um livro em vida, e quase toda sua obra vem do baú que ele tinha na sua casa.
As revelações, agora, são cada vez mais secundárias. Um novo fruto desse acervo veio à tona agora: as cartas de amor entre o autor e sua única namorada, Ofélia Queiroz, publicadas pela primeira vez em uma única edição.
O extenso volume é parte de um fluxo recente de publicação de inéditos do autor, que contempla o pouco que ainda restou de desconhecido na sua arca. As cartas de Pessoa e Ofélia não têm intuito artístico: o que se vê são duas pessoas apaixonadas, vivendo os dramas comuns de relacionamentos.
Se acrescentam pouco à obra do autor, é inegável que elas possuem um grande valor histórico. “Em parte alguma Fernando Pessoa está mais ausente de si mesmo, dos outros e do mundo que nessas cartas”, comenta o professor e filósofo português Eduardo Lourenço em um dos textos do volume. O principal valor delas, portanto, talvez seja essa revelação de um Fernando Pessoa fora das personalidade literária que criou para si mesmo e para suas muitas “sombras”.
ROMANCE
Pessoa conheceu Ofélia em novembro de 1919, quando ela tinha 19 anos e foi procurar um emprego no escritório do primo do poeta. Em relato de 1978, a portuguesa diria que a primeira impressão do homem de 30 anos foi a de que ele, “ao andar, parecia não pisar o chão”.
As correspondências seguem desse início, mostrando um namoro tímido, principalmente no quesito físico – diz-se que Pessoa morreu virgem e já cogitaram que seria homossexual. O tempo todo aparecem temas e expressões típicos da intimidade de qualquer casal, “ridículas” como um dos poemas do português, Cartas de amor, diria. Os apelidos de Bebé, Nininho e Nininha e o termo “jinhos” para designar os beijos são alguns exemplos do que há de prosaico nas epístolas.
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