Uma celebração da secura que não é fria e nem desumana. A abertura da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), na quarta à noite (3/7), contou com um depoimento tão apaixonado quanto profundamente analítico do escritor amazonense Milton Hatoum sobre a vida e a obra do escritor alagoano, nome celebrado durante todo o evento.
Para além do retrato pitoresco de um Graciliano mau-humorado e crítico, Hatoum mergulhou em sua conferência na trajetória literária do autor de Vidas secas, desde os primeiros textos como prefeito de Caetés até a obra póstuma Memórias do cárcere. O amazonense ainda destacou a importância de trazer para hoje o olhar político do autor, que fazia uma literatura social sem ser panfletária.
Em um tempo de protestos que parecem não saber (e não querer) enunciar o que buscam, por exemplo, a construção do personagem de Fabiano, o quase mudo personagem de Vidas secas, mostra que a incapacidade de se expressar é também um sintoma da opressão, para ele. Hatoum ainda destacou a preocupação obsessiva do autor alagoano em dar uma voz que não é fácil e nem redutora a essas figuras, urbanas ou interioranas, com uma linguagem que une expressão coloquial com estrutura formal.
Outro ponto da fala de Hatoum ainda foi a lembrança de que as "narrativas contrafeitas" de Graciliano revelam uma preocupação com a lucidez e a concisão sem esquecer as tragédias humanas e sociais. Um dos elementos que se destacam na sua prosa é o impressionante equilíbrio entre social, psicológico e político".
Na fala, o escritor ainda lembrou que o crítico Otto Maria Carpaeux já havia dito que Graciliano era capaz de "eliminar páginas inteiras, ou romances, e até mesmo o mundo inteiro", numa espécie de poética da redução. No final, leu um trecho de um discurso do velho Graça, que dizia só queres "mostrar a sociabilidade dos infelizes que povoam a terra", em uma das frases que captam o seu pessimismo esperançoso.