ENTREVISTA

Bolãno para além do mito da sua vida

O escritor Joca Reiners Terron destaca o desconhecimento dos brasileiros da literatura latino-americana e a "pulsão narrativa" do autor chileno

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 15/07/2013 às 6:00
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O escritor Joca Reiners Terron, autor do excelente A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves, comenta a relação do mito da vida de Bolaño com sua obra, destacando também a força de suas narrativas.

JORNAL DO COMMERCIO - Fui ler uma matéria sobre a morte de Bolaño em jornais brasileiros e não tinham mais do que umas quatro frases frias. Como seria o tom dessa notícia se Bolaño tivesse morrido hoje, quando o mundo literário é efusivo com sua obra em todo o mundo?
JOCA REINERS TERRON -
Difícil saber, já que os efeitos de uma morte mitológica e precoce como a de Bolaño sempre influem na repercussão póstuma da obra e do nome do escritor. Quando Bolaño morreu ele ainda era um autor ainda em vias de se consagrar. Tinha ganho o Prêmio Romulo Gallegos - que não chega a ser um Cervantes - e as tiragens de seus livros demoravam a esgotar.

JC - Bolaño é hoje uma sombra literária tão grande quanto o realismo fantástico foi durante o século 20? Existem herdeiros apontáveis do autor?
TERRON -
Não, pois hoje em dia a circulação da informação gira mais rapidamente através da internet e da autopublicação. O problema do boom não era o realismo fantástico, e sim o fato de que as editoras européias e norte-americanas restringiam suas publicações a García Márquez, Vargas Llosa etc, desinteressando-se por outros autores importantes. Juan Carlos Onetti, por exemplo, foi um grande prejudicado por essa política editorial. Não existem herdeiros de um autor, a não ser a viúva e seus filhos. O que existem são outros autores que trilham seus próprios caminhos. Entre os vivos, é essencial descobrir César Aira. Entre os mortos cuja obra somente agora é publicada com algum alcance, Mario Levrero.

JC - A imagem e a vida de Bolaño se tornaram elementos tão marcantes de sua obra, numa medida parecida com a de seus livros. Seu sucesso se deve também por uma mítica do homem? A vida, as entrevistas e a figura de Bolaño são parte da sua obra?
TERRON -
Todo grande autor depende de sua mitologia pessoal para repercutir, mesmo que essa mitologia seja vazia - Robert Walser, por exemplo, que passou metade da vida em um hospício fumando cigarros e olhando a neve pela janela. Bolaño deve ter passado 95% de seu tempo escrevendo, sozinho etc, mas o que perdura na memória do espectador leviano é a fuga da cadeia depois da queda de Allende e outras anedotas (muitas inventadas por ele mesmo). O que interessa para a imprensa é a lenda; para o leitor, os livros.

JC - Como é possível descrever a literatura de Bolaño, entre infrarrealismo, contos, romances e poemas? Que marca da obra dele o faz tão singular para você?
TERRON -
A pulsão narrativa. Sejam poemas, contos ou romances, Bolaño pega o leitor pelo cangote e o leva até o ponto final.

JC - Qual a melhor metáfora para descrever Bolaño para você: a do detetive, tão recorrente, a do guerreiro, a do cavaleiro rural belga ou alguma outra que ele mesmo não cunhou?
TERRON -
A do poeta, como certamente Bolaño gostaria de ser lembrado.

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