ENTREVISTA

O tradutor de Bolaño, um dos grandes nomes da literatura recente

O tradutor Eduardo Brandão traduz a prosa de Bolaño no Brasil desde o primeiro volume, após a morte do autor

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 15/07/2013 às 6:00
Leitura:

Eduardo Brandão é o tradutor de quase toda a obra de Bolaño no Brasil. Na conversa abaixo, ele comenta o impacto da leitura, o processo de descobrimento da prosa do chileno e as questões da tradução de obras como Os detetives selvagens.

JORNAL DO COMMERCIO - Fui ler uma matéria sobre a morte de Bolaño em jornais brasileiros e não tinham mais do que umas quatro frases frias. Como seria o tom dessa notícia se Bolaño tivesse morrido hoje, quando o mundo literário é efusivo com sua obra em todo o mundo?
EDUARDO BRANDÃO -
  A primeira obra de Bolaño foi lançada aqui em 2004: Noturno do Chile. Dois anos depois saiu o que é considerado, com 2666, seu mais importante romance, Os detetives selvagens. Ou seja, quando Bolaño faleceu, praticamente só era conhecido no Brasil pelo que se sabia dele através da mídia estrangeira. Pouca coisa. Foi a partir sobretudo dos Detetives que ganhou espaço nos jornais, espaço que foi se ampliando à medida que crescia aqui e mundo afora o que andaram chamando de bolañomania — duvido que ele gostasse do termo, ou talvez desse sonoras gargalhadas. Certamente, o tom da notícia seria bem diferente: a diferença que separa um escritor quase desconhecido de um autor que se firmou como um dos grandes nomes da literatura deste século.

JC - Como tradutor, qual é a dificuldade de verter a prosa de Bolaño sem despir a singularidade dela, essa asfixia narrativa?
BRANDÃO -
A maior dificuldade que tive foi com os Detetives, por ser um romance polifônico, não só pela multiplicidade de narradores mas também pelas múltiplas variantes do espanhol empregadas pelo autor. Este segundo aspecto é quase sempre impossível de reproduzir numa tradução, são nuances de uma mesma língua matriz que só podem ser apreciadas pelos que conhecem esta — e, por conseguinte, não precisam recorrer a traduções. À parte isso, não senti dificuldade particular na sua escrita. Ou tive a mesma dificuldade de sempre, intrínseca a toda tradução, de procurar a palavra, a expressão mais adequada, reproduzir o ritmo, de modo a transmitir ao leitor brasileiro a força e a riqueza do seu texto.

JC- Como é possível descrever a literatura de Bolaño, entre infrarrealismo, contos, romances e poemas? Que marca da obra dele o faz tão singular para você?
BRANDÃO -
Prefiro deixar a primeira parte da pergunta à crítica, pois a relação do tradutor com o texto que traduz é de outra ordem: está mais próxima da empatia do que do entendimento teórico. O tradutor tem de procurar, como já disse, reproduzir em sua língua o mais fielmente possível o estilo, as imagens, a atmosfera da obra, numa espécie de identificação com o autor, com seu processo criativo. À segunda parte, francamente não sei como responder. A não ser que dissesse que o que tornou Bolaño um autor especial, singular, para mim, foi a paixão que sua obra me despertou. E paixão, como ensina Pascal, não pode ser racionalmente explicada, são coisas de ordens diferentes.

JC - Qual a melhor metáfora para descrever Bolaño para você: a do detetive, tão recorrente, a do guerreiro, a do cavaleiro rural belga ou alguma outra que ele mesmo não cunhou?
BRANDÃO -
Não conhecia essa do cavaleiro rural belga, é engraçadíssima. Mas o que me ocorre, assim de estalo, é adaptar o que Chico Buarque escreveu em Vai passar, que logo me veio ao espírito quando traduzia Os detetives selvagens, por narrar a mesma via crucis trilhada por toda uma geração latino-americana: “Seus filhos erravam cegos pelo continente, levavam pedras feito penitentes erguendo estranhas catedrais.” Bolaño: um penitente que errou pelo novo e o velho continentes, erguendo uma magnífica catedral.

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