ENTREVISTA

José Castello fala de biografia de João Cabral de Melo Neto

Escritor é um dos convidados do evento nesta quarta (21/8), quando comenta como fez o livro O homem sem alma, sobre o poeta pernambucano

Diogo Guedes
Cadastrado por
Diogo Guedes
Publicado em 21/08/2013 às 6:23
Divulgação
Escritor é um dos convidados do evento nesta quarta (21/8), quando comenta como fez o livro O homem sem alma, sobre o poeta pernambucano - FOTO: Divulgação
Leitura:

Para descrever um homem sem alma, é preciso uma biografia diferente. Foi isso que o escritor carioca José Castello fez em O homem sem alma, um retrato da impenetrabilidade de João Cabral de Melo Neto através da sua poesia. Nesta quarta (21/8), às 16h, no festival A Letra e a Voz, Castello fala sobre o making of da obra, tema da entrevista abaixo.

JORNAL DO COMMERCIO – Como foi fazer, em Homem sem alma, uma biografia quase sem a vida do seu autor, quase exclusivamente da literatura? É algo que se adequava ao personagem?
JOSÉ CASTELLO –
Quando João Cabral me convidou para visitá-lo regularmente, e eu aceitei – é claro – mas com a audácia de impor a condição das entrevistas, eu já sabia que de nossas conversas não sairia uma biografia. João logo estabeleceu as regras: “Só falo de literatura, de minhas viagens e de minhas amizades. De minha vida pessoal, não falo nada”. Eu trabalhava na época na pesquisa de O poeta da paixão, minha biografia de Vinicius. Ele sabia disso – e inclusive me dera uma entrevista para o livro. Via a vida de Vinicius como puro escândalo. Temia que eu quisesse transformar a sua em algo parecido. Era um temor justo, embora isso jamais tenha passado pela minha cabeça. Nem no caso de Cabral, muito menos no de Vinicius. Eu respeitei seus temores. Fui rigoroso nisso. Não creio que meu livro seja uma biografia. Em definitivo, pelo menos, não é uma biografia clássica. Costumo defini-lo como um “ensaio biográfico”. Da leitura de uma vida, misturada à leitura de uma grande poesia, tirei algumas idéias e as expus. Foi o que fiz. Eu acho.
 
JC – Um dos retratos do livro é do Cabral solitário, angustiado. Como entender os sentimentos de um poeta sem alma, como diz o título?
CASTELLO –
Com o gravador ligado, ele era formal e meticuloso. Mas sempre chegava o momento em que me pedia para desligar o gravador – e então vinham os desabafos, as confidências, vinha sua vida mais afetiva e íntima. Aproveitei parte dessas confissões, que resultaram no Diário de tudo – segunda parte do livro, que só aparece na edição da Bertrand Brasil de 2006. Na primeira edição, como Cabral ainda estava vivo, fui rigoroso: ative-me aos temas propostos. Depois de sua morte, em 1999, julguei-me livre para usar parte – ainda assim muito selecionada – do material não gravado. Eu o anotava sempre que saía do apartamento de Cabral, no Flamengo, no Rio. Ia a um boteco de esquina – o mesmo para o qual ele fugia e onde tomava, com trocados tomados de empréstimos das empregadas da casa, conhaque barato. Estava proibido de tomar álcool por causa das medicações. Sua mulher, Marly de Oliveira, tirara todo o álcool da casa. Então, sem resistir ao desejo de beber, ele pedia moedas às empregadas, as subornava, e tomava suas doses baratas de Domecq. Nesse mesmo bar, eu tomei notas de nossas conversas não gravadas – em geral tomando um chope, pois não costumo tomar conhaque.
 
JC – Você fez livros sobre poetas opostos; Vinicius e Cabral. Qual a facilidade e dificuldade de escrever sobre cada um dos dois?
CASTELLO –
Vinicius estava morto quando comecei a trabalhar em meu livro, em 1989 – morreu em 1980. De certa forma, fiz a biografia de um fantasma, como são todas as biografias de personalidades mortas. Havia mais um agravante: escrevi a primeira biografia de Vinicius, não tinha biografias anteriores como referência, parti do zero. Vinicius foi, além disso, um homem que viveu sua vida publicamente, abertamente. Um homem do mundo. Muitas histórias, lendas, casos cercavam e cercam ainda hoje sua figura. Eles renderam um estupendo material de trabalho. Vinicius é um mito. Com Cabral foi tudo ao contrário. Para começar, estava vivo – e gravei mais de 20 horas de entrevistas com ele, tive essa chance. Contrassenso: embora tenhamos conversado tanto, era um homem discreto, fechado, cheio de temores, de vida metódica, disciplinada, recolhida. Tinha a fama de recatado e rabugento – e foi um pouco mesmo. Tinha horror de se expor. Fico imaginando como teria sido O poeta da paixão se eu tivesse tido a chance de gravar mais de 20 horas de entrevistas com Vinicius! E acho que seria impossível – ou pelo menos muito desanimador – trabalhar numa biografia de Cabral depois de sua morte, sem ter a chance de conversar com ele. Duas vidas paralelas – como as trabalhadas no clássico de Plutarco –, mas paralelas porque completamente opostas. Trabalhar com dois poetas tão distintos, ainda mais dois poetas tão especiais, foi algo que me enriqueceu muito pessoalmente.

Trecho do livro sobre Barcelona:

Se não está manejando sua prensa, Cabral se concentra em uma só atividade: percorrer Barcelona com a ansiedade própria de um descobridor. O que deseja encontrar? Isso não importa, pois o poeta aceita o que a cidade tiver para lhe oferecer. Devora todos os livros que pode comprar sobre a Catalunha e se entrega a caminhadas de ida e volta pela calle Grandia e pelo paseo de Gracia, onde fica a Livraria Ler, que logo se torna sua favorita. Entre as prateleiras dessa livraria conhece uma figura-chave em sua primeira temporada espanhola: o poeta Joan Edoardo Cirlot é um poeta ligado ao surrealismo, autor de um importante dicionário de símbolos e muito chegado a André Breton, a quem sempre visita em Paris. Por meio dele, Cabral se deixa tocar novamente pela influência surrealista, que aparecerá de modo mais gritante em um poema como O cão sem plumas, um dos mais belos que já escreveu.

Leia a entrevista completa no Jornal do Commercio desta quarta (21/8)

Últimas notícias