ENTREVISTA

Mário Magalhães fala sobre Marighella e biografias na bienal

Jornalista baiano é autor da história de um dos principais guerrilheiros do Brasil

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 11/10/2013 às 5:06
Leonardo Aversa/Divulgação
Jornalista baiano é autor da história de um dos principais guerrilheiros do Brasil - FOTO: Leonardo Aversa/Divulgação
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A Bienal do Livro discute nesta sexta (11/10), às 19h, o ofício do biógrafo, com os jornalistas Regina Echeverria, Weydson Barros Leal e Mário Magalhães. O autor de Marighella - o guerrilheiro que incendiou o mundo fala abaixo sobre a sua premiada biografia do líder guerrilheiro e sobre a lei atual de biografias.

JC - O tema Marighella lhe “escolheu” ou foi uma decisão de assunto pensada, ponderada? É preciso paixão para escrever uma biografia tão trabalhosa?
MÁRIO MAGALHÃES –
Eu tinha 39 anos em 2003. Não queria entrar nos 40 sem mergulhar numa reportagem de fôlego, sem as amarras de tempo e espaço próprias de uma redação de jornal, onde eu trabalhava. Quis contar a história de uma vida. Não encontrei trajetória mais trepidante que a de Carlos Marighella. O livro me tomou nove anos de trabalho, dos quais cinco anos e nove meses em dedicação exclusiva. Sim, é preciso amor pelo jornalismo e paixão pela reportagem para encarar uma empreitada como essa.

JC – Marighella era carregado de um espírito, uma postura revolucionária. O que podemos aprender hoje – em meio a protestos – com ele?
MÁRIO –
Marighella sempre foi um homem de ação, característica que se exacerbou mais ainda nos últimos anos de vida dele, quando se tornou um guerrilheiro urbano em luta contra a ditadura. Marighella dizia que “o conformismo é a morte”. De fato, é um espírito que exala de muitas manifestações em curso. Não é à toa que nos protestos de junho viam-se bandeiras, faixas e camisas com o nome de Marighella por todo o País.

JC - A riqueza de detalhes das cenas do livro só é comparável a quantidade enorme de fontes da obra. Como foi para não se perder em meio a esse volume de dados coletados e como foi transformá-los em especificidades valiosas na obra?
MÁRIO -
Entrevistei 256 pessoas. Tive acesso a 70 mil páginas de documentos, na maioria secretos na origem, de 32 arquivos públicos e privados do Brasil, Rússia, República Tcheca, Estados Unidos e Paraguai. A bibliografia é de 500 livros. Em meio à apuração monumental, a maior ameaça ao biógrafo é escrever um livro chato, enfadonho, protocolar. Meu desafio estético era o seguinte: para contar uma vida fascinante, goste-se ou não do protagonista do livro, eu tinha de escrever uma narrativa fascinante. A vida de Marighella foi de tirar o fôlego. Cabia a mim tirar o fôlego do leitor. É o que busquei.

JC - E sobre o filme, como recebeu a notícia de que Wagner Moura se interessou em dirigir? Como acha que Marighella pode se tornar um personagem do filme?
MÁRIO -
A vida de Carlos Marighella foi muita intensa. Em numerosas passagens do livro eu imaginava as cenas transformadas em sequências cinematográficas. No livro, não faltam intensidade e ação, e disso Wagner Moura e Fernando Meirelles entendem demais, como sabemos. Depois de mais de seis meses de conversas, os direitos de adaptação para o cinema foram cedidos para Wagner e a O2, produtora de Fernando. O filme deve ser rodado em 2015 e lançado em 2016. .

JC – Você tem comentado sobre a lei que permite a censura prévia de biografias. Se fazer uma biografia já é caro, ela torna-se uma empreitada impossível com essa restrição? Por que o País é tão retrógrado nessa questão?
MÁRIO –
Atenção: já está em vigor a legislação que permite censura prévia! O que o lobby atual de certos artistas pretende é tornar ainda mais draconiana a lei e mais rigorosas as restrições. Editores de livros buscam no Supremo Tribunal Federal o direito de publicar biografias sem censura prévia, como ocorre em todas as outras grandes democracias do planeta. Se um autor mentir, ele será processado judicialmente e deve pagar pelo crime. Hoje, é impossível publicar uma biografia de um carrasco como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, notório torturador da ditadura pós-1964, sem o consentimento dele. Se Adolf Hitler tiver uma sobrinha-neta no Brasil, ela poderá impedir uma biografia do tio-avô que não o descreva como homem bom e generoso.

JC – Qual pode ser a consequência disso para a memória do País?
MÁRIO –
A lei existente é um desastre antidemocrático, um crime de lesa-história, a recusa em permitir que os brasileiros conheçam a verdade sobre o seu passado. Numerosos historiadores e jornalistas têm abandonado projetos de biografias por saberem que as famílias não autorizam relatos críticos e independentes, só livros chapas-brancas. Dei muita sorte: o alto espírito público da família Marighella permitiu que eu lançasse a biografia sem submetê-la previamente a ninguém. É uma biografia não autorizada.

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