Poeta, tradutor, romancista, compositor, pichador, quadrinista, samurai malandro, kami-quase, bandido que sabia latim, cachorro louco, como o leitor preferir. Se os opostos e as variações definem bem Paulo Leminski (1944-1989), a mostra Múltiplo Leminski acerta em cheio – como um arqueiro zen –, mirando em todas as possíveis e inimagináveis fronteiras de atuação do curitibano. A exposição, com abertura amanhã, na Torre Malakoff, traz uma grande parte do acervo do artista para o Recife.
O momento é especialmente propício: no ano passado, Leminski conseguiu o impressionante feito de levar um livro de poesia para a lista dos mais vendidos – nada mal para um poeta que faria 70 anos agora e há cerca de 25. Quem conhece os hai-kais, a rapidez e o humor dos versos do autor vai encontrar na Malakoff todo o universo que o curitibano trazia dentro de si, mesmo os menos conhecidos, como o de pichador e roteirista de quadrinhos eróticos.
Com uma curadoria de propriedade – viúva e poeta Alice Ruiz se juntou às duas filhas do autor, Aurea e Estrela Leminski –, a exposição vai ocupar os três pavimentos do espaço cultural até o dia 30 de maio. No Recife, um dos destaques é a sala dedicada ao livro Catatau, obra-prima da prosa do autor, que se passa na capital pernambucana. No livro, Leminski imagina que o racionalista René Descartes veio ao Brasil com a comitiva de Maurício de Nassau. Aqui, entorpecido pela maconha, subverte a lógica que tanto defendeu – curiosamente, o poeta curitibano nunca veio ao Recife.
Além de páginas de rascunhos do romance e um vídeo de Cao Guimarães, Ex-isto, Catatau será o tema de uma intervenção urbana, que vai contar com participação do grafiteiro Galo de Souza, sem local divulgado para acontecer ainda. “O livro é um verdadeiro delírio das palavras. Alice costuma dizer que Catatau pode ser lido como um oráculo, através de consultas a páginas aleatórias”, conta Estrela.
Espaços como Kami-quase (sobre a influência oriental), Usina Leminski (sobre seu processo criativo, com vídeo de 30 minutos) e uma sala infantil (até hoje, seu livro mais vendido é o juvenil Guerra dentro da gente) são alguns dos espaços que merecem parada. “Para não ficar uma exposição certinha, decidimos contemplar todas as facetas dele, até o lado mais iconoclasta. Até pelado ele está na mostra”, conta Alice. Para ela, em tudo que fazia, o poeta tinha uma característica: a capacidade de se comunicar com o público; de “viralizar”, em alguma medida.
Múltiplo Leminski é uma oportunidade para conhecer o autor em detalhe. A poesia, claro, a faceta mais popular e mais reconhecida de Paulo, não fica ausente, contando até com inéditos que vieram ao Recife. “Nos cadernos, é possível notar como era meticuloso, como lapidava muito seus textos. Alguns versos famosos dele parecem ser espontâneos, mas isso era só uma artimanha leminskiana”, conta Aurea. Na biblioteca de Leminski, ainda estará patente a admiração dele a dois poetas pernambucanos: Manoel Bandeira e aquele que considerava um dos três maiores da sua época, João Cabral de Melo Neto.
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