Criar obras artesanais, através de capas de papelão feitas manualmente, é sem dúvidas um ato de pessoas apaixonadas pela literatura. No Dia Mundial do Livro, comemorado hoje, a Mariposa Cartonera celebra esse objeto indispensável (que deveria ser indispensável, ao menos, para muitos) com o lançamento de mais três títulos do seu catálogo. O evento acontece na Galeria Café Castro Alves, a partir das 20h. O espaço vai contar com uma vitrola e quem for pode levar os próprios vinis, se quiser.
Desta vez, os textos publicados – com tiragem de 50 cópias cada – são do paraibano Cristhiano Aguiar, do cearense do Cariri Lupeu Lacerda e do pernambucano Wilson Freire. O critério para os convites, conta o editor da Mariposa, Wellington de Melo, foi a afinidade estética e a disponibilidade para participar do projeto, que envolve capas feitas a mão e em parceria com catadores e comunidades.
Em Recortes de Hannah (R$ 10), Cristhiano Aguiar traz dois contos interligados, os primeiros do autor após ser escolhido como um dos melhores jovens escritores brasileiros pela prestigiada Granta. “Os dois contos que saem no Recortes são parte de um livro maior de narrativas, ainda inédito, mas que venho publicando partes aqui e ali. Eles foram escritos após a participação na Granta”, conta o paraibano. Segundo ele, a inclusão na revista, em 2012, até hoje gera atenção aos seus próximos passos, assim como uma cobrança.
Um dos motivos da “demora” para publicar após a indicação, ele conta, é que o seu processo de escrita é cada vez mais difícil. “Os contos que saem agora neste Recortes de Hannah passaram por várias tentativas, por exemplo. O segundo conto, O laboratório do Senhor Mosch Terpin, teve varias versões, e em todas eu, de forma angustiante, não acreditava no que estava narrando. Só após o convite da Mariposa, tentando outra vez, é que achei o caminho da narrativa”, conta o escritor.
Cristhiano, além de tudo, ainda divide o tempo disponível para a ficção com as pesquisas acadêmicas – ele conclui atualmente doutorado na Universidade Mackenzie, em São Paulo. “São duas exigências diferentes de escrita e ambas muito ciumentas da pulsão, quase dedicação total, necessária para dar conta do trabalho”, revela. Recortes de Hannah ganhou capas com pinturas: em cada contracapa, há o retrato de um personagem, feito por Wellington.
Lupeu Lacerda, por sua vez, traz a sua leitura da poesia beat para o longo poema Enfermaria 5 (R$ 10), espécie de fluxo poético (um pouco como O uivo, de Allen Ginsberg) sobre o estar aprisionado – metaforicamente ou não. Os desenhos de cada um dos exemplares foram feitos por pacientes do Hospital Ulysses Pernambucano, na Tamarineira, em uma oficina com o editor da Mariposa. “São capas feitas por internos; cada capa é uma, com textos de autores que ‘amam’ o que fazem. É fantástico. Espero, sim, que isso perdure. De verdade”, afirma o autor.
Segundo ele, Enfermaria 5 é o poema mais longo da sua trajetória. “Sidney Rocha me instigou a escrevê-lo e foi uma espécie de acerto de contas comigo mesmo. Uma catarse, sem dúvida. Quando terminei, acho que de mim só restava um leitor, o escritor tinha passado para o papel. Foi exaustivo, mas absolutamente gratificante”, define Lupeu.
Dos porões da ditadura, da história do pai e da sua vida, Wilson Freire tirou a inspiração para A única voz (R$ 13), relato de um preso político do Golpe de 1964. Com um diário gráfico no meio da narrativa, feito por Germano Rabello, o personagem só tem um interlocutor: o programa A voz do Brasil. O volume já teve outros dois lançamentos, um em São Paulo e outro no Mercado da Madalena, e já está na sua terceira edição.