As 139 páginas de Breu são de coragem e, de certo modo, audácia. "Estou inseguríssimo. Estava mais, antes, na verdade. Agora estou mais aliviado, mas inseguro", desabafa Geraldo Maia, com a ansiedade de quem hoje insere ao seu currículo artístico o ofício de escritor, além de cantor e compositor - como já é bem conhecido por aqui. Hoje, às 19h30, no Teatro Arraial, ele lança seu primeiro livro, um relato poético e sensível sobre a relação com a morte física e da inocência, no contexto de uma infância e pré-adolescência conturbada e complexa.
Em um sussurro de dor, o escritor narra a morte da mãe, quando ele tinha apenas cinco anos, como um assustador encontro com o inevitável. Seco e sem auto-piedade, vai além: rompe com o silêncio e escancara o primeiro encontro com o sexo, pelo indesejável abuso sexual, também quando criança, abafado pela culpa do pecado cristão.
"Desde sempre, desde que esses eventos ocorreram, eu sabia, imbuía em mim, que isso ia virar alguma coisa. Eu sempre tive vontade de escrever. Aconteceram coisas muito loucas e dolorosas na minha vida", conta Geraldo. "Este livro é fruto de uma espécie de catarse após inúmeras terapias. Passei cinco anos com analista e decidi criá-lo", completa. Segundo o escritor, a obra é publicada um ano e meio depois de início da escrita e é a materialização de uma reflexão. "É um livro duro. É um diálogo direto com o leitor. Isso me torturou muito. Eu tinha a real consciência do quanto o que eu tinha em mãos era forte. Breu trata um pouco dessa inevitabilidade dessas coisa. A morte física, como a da minha mãe, e a morte da inocência."
No seu livro, Geraldo Maia faz do leitor um cúmplice, cobrando de quem o lê o mínimo de frieza necessária para encarar uma narrativa forte e dolorosa. Não que isso se traduza em um texto melancólico ou de ranços, mas um texto de entrelinhas, como o próprio autor tenta traduzir. "Isso foi o mais difícil. Morri de medo de escrever um texto que ficasse meloso. Porque eu sou humano e essas fronteiras entre a melancolia e a frieza são muito tênues", diz. "Por mais que eu tenha me trabalhado a questão da culpa, eu tinha esse receio do texto poder resvalar para uma coisa autopiedosa."
Breu também traz fragmentos particulares da poesia e da música que influenciam a carreira de Geraldo Maia como cantor. Vez ou outra, na leitura, são perceptíveis trechos do poeta português Fernando Pessoa, como em Mar português e Poema do Menino Jesus. Da virulência de Pessoa para com o religioso também existe um pouco no livro de Geraldo. A repressão católica apostólica romana sobre os instintos humanos é também criticada pelo pernambucano, que na infância "ia à igreja com a assiduidade de um beato" e há 14 anos descobriu no budismo a lógica para o mundo e tudo que há nele.
Breu não será um desabafo único. Será o início de uma nova paixão de Geraldo Maia. "Meu texto é uma verdade extrema. E vejo ele como um contraponto a toda mentira e banalidade que nos cerca, a superficialidade", diz ele. O livro, em breve terá desdobramento, num novo volume, sobre a adolescência e a juventude transgressora, no contexto da ditadura.