Do lugar onde estava, ele foi embora. Fez voo sereno, sem alarde, sem barulho – nem por isso menos penoso, menos doído. A morte de Manoel de Barros, aos 97 anos, ontem, pela manhã, num hospital de Campo Grande (MS), deixa vazio, ainda mais, o pedestal onde pousavam os grandes da literatura brasileira. Ah, 2014, quanta falta, quanta ausência de palavras de boa lavra.
Homem de rios e matas, poeta amigo das pedras e dos passarinhos, fez sempre das palavras as suas parceiras. Daquelas com as quais se brinca com sabedoria infantil e destreza dos mestres. Dava a quase todas novos sentidos, movendo a lógica do nosso juízo, embaralhando conceitos, empurrado, a todo instante, pela simplicidade. “Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas se não desejo contar nada, faço poesia”, revelava.
De poesia em poesia, fez história na arte literária do Brasil, usando como expressão primeira aquilo a que chamou de “idioleto manoelês archaico”. Aos 13 anos, criaria os primeiros versos. Aos 21, em 1937, nascia o livro de estreia, sob o nome de Poemas concebidos sem pecado.
Foram 18 livros de poesia, e também obras infantis e relatos autobiográficos. Manoel de Barros defendia que poesia não era para ser compreendida, mas incorporada. “Entender é parede. Procure ser uma árvore.”
Enfrentou, dolorosamente, a subversão lógica do ciclo da vida, assistindo à morte de dois de seus três filhos – João, em 2007, num acidente de avião; em 2013, Pedro sofreu um AVC.
O poeta morava em Campo Grande com a mulher, Stella (com quem estava casado havia 67 anos), e a filha, Martha. Ela contou que, depois da última perda, e por causa da idade, “ele estava se apagando como uma velinha”. Já não reconhecia ninguém, nem mais escrevia.
Há mais de uma semana, estava na UTI de um hospital mato-grossense e passara por uma cirurgia para a desobstrução do intestino. Segundo os médicos, morreu por falência de múltiplos órgãos.
Manoel Wenceslau Leite de Barros, além de poeta, foi advogado e fazendeiro. Morre um mês e seis dias antes de completar 98 anos (seria em 19 de dezembro). Assim se descrevia: “Não sou biografável. Ou, talvez seja. Em dez linhas. Nasci em Cuiabá, 1916, dezembro. Me criei no Pantanal de Corumbá. Só dei trabalho e angústias pra meus pais. Morei de mendigo e pária em todos os lugares da Bolívia e do Peru. Morei nos lugares mais decadentes por gosto de imitar os lagartos e as pedras. Publiquei dez livros até hoje. Não acredito em nenhum. Me procurei a vida inteira e não me achei – pelo que fui salvo. Sou fazendeiro e criador de gado. Não fui pra sarjeta porque herdei. Gosto de ler e de ouvir música – especialmente Brahms. Estou na categoria de sofrer do moral, porque só faço poesia.”
Leia a matéria completa na edição desta sexta-feira (14/11) do Caderno C do Jornal do Commercio.