ESCRITA

Escritor português José Luís Peixoto faz testemunho do luto em livro

'Morreste-me', publicado em Portugal em 2000, é um relato avassalador da dificuldade de seguir em frente após a morte do pai

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 23/06/2015 às 5:49
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'Morreste-me', publicado em Portugal em 2000, é um relato avassalador da dificuldade de seguir em frente após a morte do pai - FOTO: Divulgação
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O luto é uma espécie de inadequação em relação a um mundo que teima em seguir em frente sem respeitar as dores mais íntimas. O mundo continua, constata repetidamente o narrador de Morreste-me (Dublinense), do escritor português José Luís Peixoto. Nesse relato emocional e delicado, a morte de um ente querido – no caso, um pai – é tão palpável quanto é possível para algo construído apenas com palavras.

A beleza da escrita de José Luís, vencedor do Prêmio José Saramago, não é estranha ao leitor brasileiro. Além de ter publicado títulos como Livro e Dentro do Segredo no Brasil, ele já veio até para a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em duas ocasiões, 2005 e 2012. Neste texto feito em 2000, ele cria um monólogo que é estranhamente um desabafo e um testemunho, como se a perda também precisasse ser registrada para poder existir. “Pai, ter a tua memória dentro da minha é como carregar uma vingança”, afirma. No campo do luto, é como se recordar e combater a imposição do cotidiano fossem os únicos gestos dignos para quem fica.

Em um dos momentos do volume de 64 páginas, o autor pensa se os homens não podiam morrer como os dias, que têm os pássaros a cantar, seus barulhos comuns e uma aparência de quase imobilidade, até que o silêncio vai crescendo, “o silêncio esperado, finalmente justo, finalmente digno”. E, sua indignação com o mundo que continua é tão ingênua quanto compreensível e sincera. “E, realmente, tudo se mantém suspenso. Tudo quer e tenta ser igual. Todos parecem acreditar. Sem ti, as pessoas ainda vão para onde iam, ainda seguem as mesma linhas invisíveis. Mas eu sei, pai. Perderam-se as leis contigo. Perdeu-se a ordem que trazias.”

Desde o título avassalador, Morreste-me é uma obra impactante, um livro que trata do luto com propriedade do luto, como o bom Altos Voos e Quedas Livres, de Julian Barnes, mas com uma linguagem mais densa, que parece incorporar a profundidade dos dias e da memória. Ali, o autor admite que precisa seguir, de alguma forma precária, “sem ti e sempre contigo”. Uma das frases da obra é difícil de esquecer: “Tudo o que te sobreviveu me agride”, pensa o filho. Ainda que moído pelo luto, José Luís cria um testemunho duplo: o da sempre cruel derrota da vida diante da morte e outro, que revela como a memória é nosso único escape diante do esquecimento, da vida que pesadamente continua.

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