CRÍTICA

Novo livro de Bruno Liberal traz instantes de beleza e agonia

Obra faz um retrato crítico da classe média autocentrada e do cotidiano que esconde a violência

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 22/07/2015 às 4:52
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Em um dos contos do livro O Contrário de B., Pater Familias, o narrador comenta que a vida não parece mais com nada que ele lembre. Olhar os dias como uma memória borrada é uma das formas do escritor Bruno Liberal se aproximar da sua dissecação do cotidiano e da crueldade nas suas novas narrativas.

Há uma sensação de sonho, como no seu livro anterior, Olho Morto Amarelo, mas a impressão é que os textos trazem menos pesadelos que irrompem em um despertar assustado: são histórias lentas, sonhos ruins porque mostram como estamos sufocados mesmo quando nos acordamos.

Há uma linguagem mais cuidadosa nesses textos de Bruno, em um aperfeiçoamento natural, que tornou seus contos menos cortantes, mas também mais delicados. Os dois que abrem o livro, ambos intitulados Pater Familias, mostra duas possibilidades de um mesmo fato.

Outro conto, Não Precisa Gritar, expõe o discurso de mães de classe média, em uma crítica social que também funciona como um mergulho no mundo da classe média autocentrada.

Em Nós Contra Eles, há quase uma definição do olhar do livro do mundo. “A vida é assim, devastadora em sua totalidade e esplêndida nos segundos, esse microtempo da esperança. Acho que a felicidade é concreta nos segundos”, escreve o narrador – em um conto que pode parecer redentor, mas também é imensamente triste. É justamente nisso que Bruno é mais preciso, a criação de instantes de agonia ou felicidade que bastam para justificar um texto.

No entanto, talvez seu desafio seja agora o de, mesmo no formato do conto, explorar ainda mais a complexidade e as nuances da construção de personagens, vozes e experiências singulares.

 

Leia um trecho do conto Nós Contra Eles abaixo:

(...)

Penso que não a completo. Nossas mãos não se tocam mais. Que estamos vivendo alguma mentira.

Deixo-a na faculdade. Meu filho está no banco de trás do carro e fica espiando com seus olhinhos a mãe que desce e dá um tchauzinho. Percebo a tristeza em seu olhar inocente, um bico choroso tentando se manifestar. Volto as atenções para o filho (volto as atenções para meu filho, meu amor). Tento ser engraçado, envolvê-lo em outro universo.

“Vamos tomar sorvete?”

“Qual você quer?”

“Você vai se comportar?”

A vida é assim, devastadora em sua totalidade e esplêndida nos segundos, esse microtempo da esperança. Acho que a felicidade é concreta nos segundos. Deveria existir uma escala temporal para medir a felicidade e a tristeza. A primeira em segundos, a outra em dias inteiros. Um segundo de felicidade corresponde vinte e quatro horas de tristeza profunda. Um momento agora significa a redenção de um dia inteiro, de uma ausência. Isso porque a felicidade é uma explosão.

Comprei um picolé qualquer e saímos por aí de carro. Aumentei o som e me senti um pai completo. Dirigindo e fazendo meu filho feliz.

(...)

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