VERSOS

Com novo livro, Miró da Muribeca quer exorcizar o seu inferno e a sua solidão

O poeta recifense lança o livro aDeus em edição limitada e artesenal nesta quinta (6/8), reunindo 33 textos

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 05/08/2015 às 6:30
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O poeta recifense lança o livro aDeus em edição limitada e artesenal nesta quinta (6/8), reunindo 33 textos - FOTO: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Miró viu o inferno e prometeu que não quer mais voltar para lá. Desabou na própria casa, no meio da Muribeca, no dia 14 de julho, e começou a delirar. Único morador do prédio, acreditou que ia morrer. Contou com sorte – a preocupação de um amigo da vizinhança – para ser socorrido. Foi internado com ajuda do médico e escritor Wilson Freire, que o levou para o Hospital Oswaldo Cruz para ser tratado.

Encarou a morte de frente, como ele mesmo repete. Passou 14 dias internado, precisou entender que o seu alcoolismo havia chegado a um ponto fatal. Abandonou a bebida, deixou a solidão sufocante de morador solitário da Muribeca. Está morando no bairro da Boa Vista, recuperando-se. “Tá nascendo um Miró que não sei o que é ainda”, afirma sem receio, sóbrio e com 13 quilos a mais do que entrou no hospital.

Se sua vida está enfrentando os impasses de quem imaginou a própria morte, o seu novo livro, aDeus, lançado nesta quinta (6/8), às 19h, no Bar Teatro Mamulengo, pela Mariposa Cartonera, é uma espécie de encontro com a presença e ausência de Deus, com o abandono da Muribeca e de si mesmo. O título sugere, ao mesmo tempo, um Miró mais pensativo, que também está deixando para trás parte do seu passado. A obra sai com 150 exemplares numerados, vendidos por R$ 20.

Com 33 poemas, o volume foi construído com o poeta e editor Wellington de Melo que, dentro de um corpo de mais de 150 textos, encontrou alguns que formavam uma reflexão em conjunto. “Tinha dúvida se colocava o título como (H)aDeus ou aDeus. Ficou como o último, porque depois eu comecei a sentir como se fosse uma despedida para tentar me salvar”, comenta Miró. “O adeus do livro é um adeus ao álcool, também. Um adeus ao Miró que eu era”.

DELÍRIO - Quando desabou – houve um rumor sem fundamento no Facebook de que ele teria sofrido um AVC – Miró pensou que ia morrer só. “Eu me vi indo embora”, descreve. Estava apenas com 49 quilos quando chegou ao hospital, resultado do hábito de passar dias sem fazer uma refeição. “Quando cheguei no hospital, achei que estava entrando numa prisão, na Funase”, atesta.

“Pensei no caso de poetas que morreram, como Samuca e Alberto da Cunha Melo. Pensei no que houve com Raimundo Carrero. Eu olhava ao redor e era a única pessoa que andava no hospital. Perguntei a mim mesmo: ‘Por que eu não posso criar forças para não beber, para não morrer?’”, lembra. Quando disse que não queria morrer, ouviu do seu médico: “Então pare de beber”. É por isso que está sem consumir álcool desde que saiu do internamento e fala taxativamente que, se beber, morre.

A mudança radical exigia também que ele deixasse a solidão da Muribeca. “Ela estava contribuindo para que eu bebesse. Eu morava num prédio caixão que só tinha eu ali. Eu só saia para o bar. Eu me afundei mesmo”, revela. “Os prédios estão virando pó, tudo aquilo vai virar areia.” Com ajuda de amigos, novamente, ele agora está em um apartamento na Boa Vista, “tentando cortar o cordão umbilical” com o bairro que leva no seu nome de pena. “Vai ser um teste da porra porque tô no centro alcoólico do Recife.”

Agora, Miró está com 62 quilos e diz que não sofreu muito com a abstinência: “Minha abstinência era de caminhar pela rua, de ver gente”. Tem feito coisas que nunca entrariam na sua rotina anterior. Passeia pelo bairro e tem comprado frutas. “Eu não tinha coragem de ir para a praia, não comprava roupa para mim. Numa noite de sexta num bar eu gastava 80 reais. E acabei de comprar uma sandália por menos que isso”, expõe.

Quer deixar para trás de vez o Miró do alcoolismo e da solidão, aquele que lhe fez avistar a morte. Conta que já tinha ouvido certa vez um rumor de que, numa aposta de mesa de bar, um colega do Mercado da Boa Vista tinha apontado o seu nome como o próximo a falecer. “Mas tô aqui ainda. E vou comemora meu aniversário com este livro”, afirma Miró. Sim, ele quer ser o homem que viu o inferno e que nunca mais vai voltar a vê-lo.

Confira poemas do livro aDeus, de Miró:

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no princípio
não havia nada
 
hoje também

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não é que eu não
acredite em Deus
 
estou só desconfiado
com o homem
que Deus criou
 
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as pessoas estão passando
para mais uma segunda-feira
 
eu sentado no banco da praça
ainda sou domingo

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Leia a matéria completa no Jornal do Commercio desta quarta (6/8)

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