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Lourenço Mutarelli ironiza as suas várias identidades em novo livro

Quadrinista, escritor e agora ator, o autor paulista volta à literatura - com toques de HQ - depois de cinco anos

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 11/10/2015 às 5:17
Bel Pedrosa/Divulgação
Quadrinista, escritor e agora ator, o autor paulista volta à literatura - com toques de HQ - depois de cinco anos - FOTO: Bel Pedrosa/Divulgação
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Há alguns anos, o escritor e quadrinista Lourenço Mutarelli escutou uma reclamação de um editor: “Você produz muito”. Chateado com a frase, o autor de O Cheiro do Ralo e A Arte de Produzir Efeito Sem Causa ficou três anos sem escrever novas obras. Passou o tempo simplesmente se dedicando às oficinas de quadrinhos que ministra e participando de projetos no teatro. Só quando as ideias se assentaram, dois anos atrás, ele voltou ao seu ritmo comum. Foram, ao todo, cinco anos sem publicar.

Convidado da Bienal do Livro de Pernambuco deste domingo (11/10), quando conversa com o público às 17h, Mutarelli mostra ficcionalmente, no seu novo romance, O Grifo de Abdera (Companhia das Letras), o que é ser um artista obcecado e quase sempre sombrio, um desenhista que não pode (ou não quer) mais fazer quadrinhos, um escritor que detesta a sua figura pública. Assinada por ele, mas escrita a oito mãos com os personagens Mauro Tule Cornelli, Oliver Mulato e Raimundo Maria Silva, a narrativa é um mergulho, ora irônico, ora vertiginoso, no mundo dos duplos e das múltiplas personalidades.

São mais de 260 páginas, incluindo uma HQ que ocupa 80 delas, desenhadas a partir de frames de filmes pornôs antigos. Ali, Mauro Tule confessa que Mutarelli é apenas uma persona criada em parceria com um amigo, já morto – daí porque abandonou os quadrinhos – e que o rosto conhecido como o do autor de O Cheiro do Ralo é apenas o de um colega de bar, Mundinho. Mais do que uma mitologia da sua própria trajetória, no entanto, o autor faz da obra um suspense sobre a sensação de viver duas vidas como duas pessoas diferente: o próprio Mauro e o professor de educação física Olivier Mulato.

“O livro surgiu de uma encomenda de Fernando Sanches, que queria uma história para filmar. Ao mesmo tempo, estava fazendo esses desenhos de fotogramas e queria transformá-lo em outra coisa, em um livro”, revela o escritor. “Então os personagens foram ganhando uma dimensão maior e terminei sendo levado por eles. Eu nem ia usar os quadrinhos.”

A mágoa do autor com o mundo das HQs não é desconhecida. Mutarelli quase que abandonou completamente a linguagem nos últimos anos, apesar das exceções existirem. “Faz sete anos que não leio quadrinhos, exceto os dos meus alunos. Não tenho mais HQs em casa. Faço quadrinhos experimentais o tempo todo, como uma brincadeira para mim. Eu tenho mais prazer escrevendo e sinto que consigo pensar mais profundamente na literatura”, comenta. Além disso, ele passava mais de 12 horas por dia trabalhando para terminar uma HQ. “E eu não gosto do meio dos quadrinhos. Já tive críticas publicadas em sites especializados em que a pessoa reclamava de um livro porque eu errei a acentuação de uma palavra duas vezes. Posso até fazer um quadrinho, mas é um mundo para o qual eu não quero voltar”, reclama.

Comentários sobre o seu estilo de escrita – a influência de Burroughs ou a repetição da palavra “isso” – são ironizadas também no livro. Além disso, as suas aparições públicas também são desconstruídas. “Eu fico muito incomodado quando vejo um vídeo de entrevista minha no Youtube. Eu muitas vezes estava bêbado e termino falando besteira. E as besteiras se perpetuam”, conta.

Apesar de todos esses pequenos acertos de conta, O Grifo de Abdera é bem mais que um livro de Mutarelli remexendo sua vida: é assustador e irônico como outro bom livro sobre os duplos, O Homem Duplicado, de José Saramago. “O livro é uma mistura de real e ficção. Tenho estado fascinado pela memória. Criei no Facebook um perfil de Mauro Tule e fui ver hoje que tem coisas que nem lembrava de ter postado”, afirma.

Em um dos mais fortes e comentados filmes brasileiros deste ano, Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert, Mutarelli aparece como um dos personagens do enredo, o rico pintor Carlos. “Eu só aceito fazer filmes dela, porque a primeira coisa que ela exige é não ver nenhuma palavra do roteiro na minha boca”, indica. A popularidade do filme, que já bateu a marca de 400 mil espectadores, também o trouxe problemas. “Eu ando de transporte público. Ninguém me reconhecia como escritor ou quadrinista, porque isso são nichos, mas agora algumas pessoas me param. Nem sabem meu nome, dizem: ‘Ô, é o cara do filme’. É algo doloroso para mim, eu adoro a minha invisibilidade. Eu queria tirar a barba, mas estou participando de um outro filme e não posso”, diz. Mundinho, ou melhor, Mutarelli talvez precise de mais vinganças literárias para falar desse novo incômodo.

 

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