MEMÓRIA

Fliporto tem bons debates no seu segundo dia de programação

Os destaques da programação deste sábado (14/11) foram Javier Cercas, Ioram Melcer e Sérgio Godinho

Do JC Online
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Publicado em 14/11/2015 às 20:39
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Um dos principais temas do segundo dia de programação do congresso literário da Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto) neste ano foi a importância da memória. Logo no início da tarde, na mesa entre Luize Valente e Eric Nepomuceno, entender o passado nefasto da ditadura brasileira e da Segunda Guerra foi o tema principal da conversa; mais tarde, na participação o romancista espanhol Javier Cercas no evento, o assunto foi o modo como o passado é uma parte muitas vezes ignorada do nosso presente.

Eric Nepomuceno comentou seu espanto com o que chamou de "saída do armário" da direita brasileira. "Antes, só existiam pessoas de centro. Essa aparição da direita é fruto da falta de memória. O brasileiro foi levado a esquecer que tem o direito à memória", afirmou o escritor e jornalista. Luize, por sua vez, também expressou sua preocupação com o contexto político atual na Europa, ainda mais depois dos atentados de sexta (13/11) em Paris. "Os refugiados não são as mesmas pessoas que cometem os atentados. E as intervenções sempre geram mais violência. O que é preciso é conter o avanço da direita na Europa", comentou.

Em uma tarde movimentada, a Fliporto ainda contou com um pocket show de Sofia Freire no espaço Fliporto Galera. Com ajuda de programações eletrônicas e um teclado, a jovem cantora mostrou parte do repertório do seu primeiro disco, Garimpo, com composições de Wilson Freire, Clarice Freire e Alberto Lins Caldas.

Uma boa conversa sobre as múltiplas faces dos artistas foi o que moveu a segunda mesa do dia na programação principal, com o escritor e tradutor israelense Ioram Melcer - que trabalhou com obras de Fernando Pessoa - e o cantor, ator e escritor português Sérgio Godinho. "Um tradutor é uma espécie de ginecologista, que vê tudo, até o que o autor não quer que ninguém veja. E a tradução é uma traição, mas há traições que são as melhores maneiras de se ser fiel. Vejo o meu ofício como uma arte do possível ", comentou. Sobre sua ficção, ele ainda disse que a criação vem com algum sofrimento, mas um sofrimento bom. "Temos essa duplicidades. Na hora do ofício, você vai se esforçar, sofrer talvez para sofrer um pouco menos depois"

Sérgio Godinho contou que descobriu primeiro o seu gosto por criar histórias ao compor músicas. "Os universos ficcionais surgiram já nas composições", explicou. Sobre Fernando Pessoa, comentou que o poeta se converteu em um "dramaturgo de si mesmo" no dia que descobriu os heterônimos - mas que ele mesmo, na sua trajetória, sente a diferente das várias facetas que criou. "Quando estou no palco e canto uma canção antiga, às vezes noto que não diria aquilo exatamente daquele jeito hoje", apontou.

No começo da noite, o escritor espanhol Javier Cercas fez uma boa mesa, com mediação descontraída de Eric Nepomuceno. Sua principal preocupação como escritor, ele revelou, é lutar contra a ditadura do presente, em que o passado é ignorado. O meio para isso é o que ele gosta de chamar de "romance sem ficção", caso da sua última criação, O Impostor, com primeiro lançamento no Brasil dentro da programação da Fliporto.

"O personagem da narrativa, Enric Marco, era um rock star da memória histórica na Espanha, fazia pessoas chorarem com seus relatos de vivência em um campo de concentração e de luta contra o franquismo. Foi um escândalo quando se revelou que sua vida toda era uma mentira. No livro, percebi que não precisava inventar nada, não fazia sentido fazer uma ficção sobre uma ficção ambulante", comentou. 

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