Ferreira Gullar sempre repetiu que sua poesia nasce de um espanto, de uma tentativa de expressar algo que ainda parece inexplicável no mundo. No livro Autobiografia Poética e Outros Textos (Autêntica), o poeta maranhense faz uma espécie de relato da sua trajetória literária, buscando de alguma forma revelar a sua formação como autor: seus impasses, seus amigos e suas leituras.
Ali, afirma, por exemplo, que entende a poesia não como “um tipo novo de conhecimento, mas um trabalho contra a inércia da linguagem que tende a anular a experiência presente absorvendo-a em formas viciadas”. Seu relato vai desde a descoberta da literatura (ela “só terá sentido se mudar alguma coisa, nem que seja a minha própria vida”) até o seu inconformismo com as próprias descobertas, revelados na necessidade de sempre procurar uma forma nova de se expressar. “A feitura do poema seria a invenção da própria linguagem”, explica em dado momento.
CONCRETISMO
Há uma boa dose de preocupação com seu lugar na história literária também. O episódio da aproximação com o concretismo dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e de Décio Pignatari e posterior rompimento com eles para criar o neoconcretismo ocupa 20 páginas do relato de 50 laudas. Ali, Ferreira Gullar parece preocupado em descartar qualquer influência dos poetas paulistas na sua trajetória e definir o concretismo deles como uma espécie de “charlatanismo”. É uma passagem repleta de rancor – como a celeuma vem sendo tratada pelos dois lados –, que até diminui o valor do depoimento do autor maranhense, aparentemente mais preocupado com egos do que a formulação da sua poética.
No restante do volume, estão duas boas entrevistas com Gullar e ensaios sobre três autores: Fernando Pessoa, Rimbaud e Cesar Vallejo. São bons textos, todos sobre literatura, que ajudam a complementar o contexto poético da sua obra. E, apesar de ser muito formal (e trazer algum rancor), o volume é uma boa introdução para a criação de Ferreira Gullar pelas suas próprias palavras – é sempre importante ver um poeta falar da sua poesia.