Em uma de suas histórias mais famosas, o Pererê, nome do saci criado por Ziraldo, vai abraçando uma série de árvores e dando tchau a cada uma delas, dizendo “Adeus, jacarandá”, “Adeus, paineira”, etc. Pererê se despede das árvores e, ao fim da cena, o leitor entende o que acabava de acontecer: elas estão no caminho da transamazônica, estrada faraônica que desmataria parte da maior floresta tropical do mundo em nome de um desenvolvimento desenfreado.
Criada nos anos 1960, a Turma do Pererê é um capítulo fundamental das HQs nacionais. Até 8 de maio, fãs antigos e novos admiradores podem conferir na Caixa Cultural a exposição Pererê do Brasil, que celebra o legado e a importância dos personagens de Ziraldo. Quarta (16), na abertura da mostra, há uma oportunidade única: encontrar o simpático autor de clássicos como O Menino Maluquinho e Flicts.
A Turma do Pererê foi um empreendimento revolucionário nos quadrinhos brasileiros em vários sentidos. Foi pioneira em qualidade e trouxe para as narrativas gráficas temas, tradições e personagens tupiniquins. Além disso, tinha um caráter fundamentalmente ambientalista quando o desenvolvimento era defendido a qualquer preço – e, ainda hoje, a responsabilidade ambiental é vista apenas como um empecilho para grandes projetos.
Pererê, o índio Tininim, o macaco Alan, o jabuti Moacir, o tatu Pedro Vieira, o coelho Geraldinho e a onça Galileu estão na exposição através das 53 capas da HQ, publicada entre 1960 e 1964 e entre 1975 e 1976, além das revistas originais, documentário sobre Ziraldo e histórias animadas. Segundo o autor, a turma surgiu pelo próprio contexto da época de efervescência cultural e política do Brasil durante o governo de Jango. “Nos festivais, na poesia concreta, nas ruas, a gente achava que ia mudar a história do Brasil, que ia levar o País acima do colonialismo”, comenta o quadrinista de 83 anos.
A sua editora publicava revistas americanas como Luluzinha e Peanuts. Para criar um projeto de HQ nacional, convidou autores que colaboravam em publicações da casa. Só a de Ziraldo vingou. “O personagem ia se chamar Saci, mas descobri que já tinham uns 10 mil registros do nome. Li que em outros cantos chamavam o saci de Saci-Pererê e nasceu o personagem”, relembra.
A Turma do Pererê terminaria em abril de 1964, logo após o golpe militar. “Eu produzia com três meses de antecedência. Em janeiro, meu editor disse de repente que ia encerrar a revista. Na verdade, ele já tinha notado que Jango iria cair e que ela não ia durar”, relata Ziraldo, lembrando que a revista era claramente alinhada com a esquerda (“até o coelho era vermelho”). “Aí fui me virar para sobreviver”.
Na sua temática, Pererê parece um quadrinho mais urgente do que nunca, em meio ao aquecimento global e a desastres ambientais. “Ele é muito precursor, é o primeiro personagem ecológico da literatura infantil brasileira”, destaca seu criador. “Era uma história muito pretensiosa. A Luluzinha não falava em festas de São João, só tinhas guerras de bola de neve, algo absurdo no Brasil. Na Turma do Pererê, os meninos faziam guerras de mamona, como eu fiz na minha infância”, conta.
A curiosidade pelos personagens, hoje em catálogo apenas em livrarias, continua. “Os pais levam os filhos, e as crianças não têm preconceito. Se gostam, não questionam. O Menino Maluquinho não tem nada de eletrônico, mas continua sendo popular, eles sabem que a história representa uma época”, afirma, como pai e criador orgulhoso. A Turma do Pererê, como muito do que Ziraldo criou, é um clássico que precisa ser mais conhecido e exaltado.