VERSOS

Carlos Gomes lança livro vencedor do Prêmio Pernambuco de Literatura

Composto como um poema épico, 'êxodo,' é construído de forma singular

Diogo Guedes
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Publicado em 29/03/2016 às 5:32
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Composto como um poema épico, 'êxodo,' é construído de forma singular - FOTO: Divulgação
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Há algo de estranho em pensar num épico, um formato de grandes narrativas e heróis, no mundo fragmentário e cínico da atualidade. Como toda ideia incômoda, ou deslocada, é uma espécie de convite para um artista. O poeta e crítico musical Carlos Gomes começou, quando era um estudante de Letras, a compor um poema no formato. Começava a nascer êxodo, (com minúscula e vírgula mesmo), livro que se tornaria, anos depois, o principal vencedor do Prêmio Pernambuco de Literatura de 2015.

A ser lançado, com os outros quatro vencedores, na próxima quinta, o volume editado pela Cepe Editora é feito de um poema só, dividido em seis cantos que se estendem por 74 páginas. É uma obra forte, que parte do “mote” de um poema de Cecília Meireles, que diz que “Eles eram muitos cavalos” – a expressão também foi usada como título por Luiz Rufatto em um dos seus mais celebrados romances, que tem a frase como título.

A obra de Carlos, criador do projeto Outros Críticos, se faz a partir de um deslocamento que parece mais abstrato do que físico. Os cavalos e os homens saem, sim, de algum ponto para outro, e há uma ideia de natureza (e, talvez, de uma paisagem sertaneja). Ao mesmo tempo, não é uma travessia regional, não há nada demasiadamente heroico ou trágico nela: trata-se de “um caminho/ resquícios de carne, da arte de sonhar possibilidades/ de partidas, despedidas”.

Quando começou a escrever o poema, Carlos ainda não tinha lido trabalhos como Avatares da Epopeia na Poesia Brasileira do Final do Século 20, de Saulo Neiva, que aborda a reabilitação do épico na poesia atual. “Só depois de ter uma boa parte do livro pronto é que eu tive curiosidade de procurar saber se haveria outros poetas criando epopeias, ou pelo menos estabelecendo um diálogo com o gênero. Portanto, cantar e contar uma história, através da poesia, como cito na epígrafe do meu livro, em fala de Jorge Luis Borges, foi o ponto de partida”, explica.

O livro é escrito através de três “margens” – ou seja, a cada dois corpos de versos, surge um terceiro, que unifica os dois trechos anteriores e os ressignifica. “A partir do momento que eu percebi que o livro seria um poema longo, eu tive a ideia de trazer para o plano da estrutura do livro elementos que estavam no poema como temática, a exemplo da ‘estrada’ como ‘caminho’, ‘margem’, ‘rio’. Eu queria que no plano formal o poema pudesse dialogar com que os versos diziam. Ao mesmo tempo, também não queria que fosse uma coisa totalmente rígida. Então, há uma estrutura fixa, mas preenchida por versos livres”, comenta.

Originalmente, êxodo, era mais curto, com um caráter mais visual. “Essa visualidade está presente na última página do livro, que corresponde aos três últimos cantos. A construção do poema se deu até de maneira rápida, o que demorou, muitos anos, foi a maturação, o trabalho com cada verso, margem, construção etc.”, revela.

Nesse belo épico sem heróis e sem uma trama explícita, ele lembra uma referência da pesquisa de Saulo Neiva, que descreve o gênero na contemporaneidade como “epopeias sem intriga – ou epopeias cujo fio narrativo é voluntariamente truncado, encoberto, disperso”. Tanto que diz: “A sua viagem é uma que não crê um destino/ são apenas trotes, são apenas trotes”. Não por acaso, os versos de êxodo, nos encaminham “para outra margem da estrada/ uma que se mova invisível por cima, por baixo/ por dentro, por fora/ do homem, da cabeça, dos ossos, coração”.

Algumas referências saltam no poema, como Cecília Meirelles e Ruffato, mas também João Guimarães Rosa. “Essas coisas foram surgindo a partir da escrita, como também há intertextos com o imaginário dos ‘sertões’ na literatura brasileira. Quando falo em ‘sertões’, é porque estou pensando no ‘sertão’ de Rosa, no ‘sertão’ de Graciliano Ramos, de Euclides da Cunha. Essas referências são mais simbólicas, pra mim, o poema não está diretamente ligado a alguma obra específica”, avalia.

Autor de dois livros publicados de forma independente, Carlos diz que há uma espécie de alívio em preparar um livro sem ser o responsável por todas as suas etapas de produção. Apesar de ver o surgimento de editoras de pequeno porte, ele ainda acredita que prêmios assim têm um papel importante. No evento, ele vai se encontrar com os outros quatro premiados pela Cepe Editora – José Juva, Luiz Coutinho, Mario Filipe Cavalcanti e Rejane Paschoal.

Os planos para depois do lançamento são os de continuar mantendo o projeto Outros Críticos e criar duas novas obras. “Estou trabalhando num outro livro de poesia, que também guarda diálogo com o épico, mas enquanto o primeiro tratava do ‘sertão’, das migrações entre geografias distintas, esse tratará das migrações urbanas, cotidianas, sobretudo pela forma violenta que essa ideia nociva do ‘novo’ tem habitado nos projetos urbanos das principais capitais brasileiras. No entanto, como venho fazendo desde o livro de contos - e que poderia abarcar também aos meus textos críticos, principalmente em música -, tenho procurado deslocar os gêneros, distender suas fronteiras. Poesia, prosa, canção e ensaio também estarão em migração neste novo trabalho. Ainda falta muita coisa para escrever, mas já é possível desenhar esse caminho”, adianta.

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