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Em romance, Martha Batalha narra a vida invisível das mulheres

A autora recifense radicada nos Estados Unidos estreou na literatura com o volume A Vida Invisível de Eurídice Gusmão

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 26/05/2016 às 6:02
Jorge Luna/Divulgação
A autora recifense radicada nos Estados Unidos estreou na literatura com o volume A Vida Invisível de Eurídice Gusmão - FOTO: Jorge Luna/Divulgação
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Enquanto a sua irmã mais velha fugiu de casa sem avisar a ninguém para tentar ser feliz sem amarras, coube a Eurídice Gusmão ter a vida planejada pelos seus pais e pelo conservadorismo dos anos 1940. Casou, teve filhos e cuidou de um casa, mas nunca deixou de querer ser mais – trabalhar, escrever, aprender a tocar um instrumento. De certa forma, o romance A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (Companhia das Letras) é uma narrativa sobre a mulher que ela e tantas outras poderiam ter sido se o machismo não as impedissem.

Nascida no Recife, criada no Rio de Janeiro e radicada em Nova York, nos Estados Unidos, a escritora Martha Batalha criou a obra pensando em falar sobre as suas avós, ou melhor, sobre as avós de todos os leitores, que buscaram ser felizes mesmo com as restrições e os julgamentos da sociedade de então em relação às mulheres.

A história de como o livro finalmente ganhou uma editora no Brasil é um caso à parte. Rejeitado por todas as grandes empresas daqui, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão já estava vendido para seis países antes mesmo de ser lançado e já teve os seus direitos vendidos para o cinema. A obra terminou sendo adquirida pela Companhia das Letras.

No livro, Martha faz, numa narrativa direta sobre essas vidas invisíveis que a fascina. Um dos motivos para falar das mulheres dos anos 1940 e décadas seguintes é justamente as impossibilidades. “Temos a tendência de pensar que só o que aconteceu merece atenção, mas aquilo que não aconteceu também diz muito sobre um período. O que pode ser dito sobre as donas de casa dos anos 1940 e 1950, que não faziam muito mais além de cuidar dos filhos e da casa? O que aconteceria se uma mulher daquele tempo quisesse ter uma vida diferente, se quisesse trabalhar, produzir, criar? O livro nasceu desta hipótese, e dessas impossibilidades”, conta.

O ambiente da trama é um bairro de classe média do Rio. Para além do cotidiano, dos preconceitos, das fofocas e dos dogmas de quem vive ali – Martha mergulha diversas vezes nos lados quase pitorescos dos personagens que cria –, ela reitera que o seu tema é “o desperdício de potencial, que acontecia naquela época e ainda acontece hoje, por uma questão de gênero, raça, condição social”.

Ao falar dessas “não realizações”, ela terminou criando uma ligação emocional com os personagens, afinal, com o tempo, eles se tornaram tão poderosos que passaram a ter as próprias ideias. “No começo é o ventríloquo (escritor) que dá vida ao boneco (personagem). Mas depois de um tempo escrevendo parece que é o boneco que faz o ventríloquo falar”, explica a autora, que mantém uma rotina de escrever cerca de mil palavras por dia. “Esta relação com o personagem só é possível através do exercício diário da escrita, do encontro diário entre o escritor e seus personagens. Quando existe esta ligação o texto se torna verossímil, e a história se forma”.

A narrativa de Martha preza por essa verossimilhança, sem fugir muito de um cronismo de costumes e de um olhar leve ante o drama e o humor. O cenário do Rio, por exemplo, foi construído a partir de uma pesquisa histórica. “Como disse Ivan Lessa, de quinze em quinze anos o Brasil se esquece do que aconteceu nos últimos quinze anos. O romance passa longe de acontecimentos políticos, mas mesmo assim dialoga com a falta de memória do brasileiro. É esta, inclusive, uma das minhas motivações para a escrita: o prazer de colocar no papel aquilo que não foi dito, e que se perderia.”, analisa.

Apesar de ter vivido pouco tempo por aqui, a recifense de criação carioca tem lembranças da cidade e até “uma ligação emocional”. “Meus pais se mudaram para a praia de Piedade com 23 anos, eu nasci quando tinham 24. Não tinham família, não conheciam ninguém. Moravam em uma casinha que dava para a areia da praia (meu pai tinha lido muito Jorge Amado e sentia-se no paraíso, achava o máximo abrir o portão e afundar o pé na areia, estar perto do mar, dos pescadores). Ficaram tão apaixonados pela área que quase fui batizada de Maria de Candeias. Minha mãe, grávida, ia dançar na roda da ciranda da dona Duda”, conta. A família terminou fazendo amigos por aqui, como o pediatra Marcos Suassuna, irmão do Ariano Suassuna. “Depois que nos mudamos para o Rio vínhamos passar férias na casa de amigos queridos, em Boa Viagem e São José da Coroa Grande. A gente ia de canoa até um recife de corais, para curtir o dia em um banco de areia. Era delicioso”, diz, saudosa, a escritora.

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