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Micheliny Verunschk fala sobre novo romance

Em Aqui, no Coração do Inferno, a autora pernambucana narra através de uma adolescente desbocada e curiosa

Diogo Guedes
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Publicado em 06/08/2016 às 5:07
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Em Aqui, no Coração do Inferno, a autora pernambucana narra através de uma adolescente desbocada e curiosa - FOTO: Divulgação
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“Desculpe o mau jeito, eu sou desbocada mesmo”. Talvez essa seja a melhor apresentação da narradora-protagonista do romance Aqui, no Coração do Inferno (Patuá), da pernambucana Micheliny Verunschk. Desbocada, curiosa, questionadora, a adolescente em nada lembra a ingenuidade costumeira dos jovens na literatura – idealizados como crianças com um pouco mais de conhecimento.

Segundo romance de Micheliny, Aqui, no Coração do Inferno é lançado hoje, às 16h30, dentro da programação da Feira do Livro do Vale do São Francisco, em Petrolina. Com a sua estreia, Nossa Teresa - Vida e Morte de uma Santa Suicida, a história de uma mulher que é considerada santa, mesmo tendo se matado, venceu o Prêmio São Paulo de Literatura. Na nova obra, a história começa quando o pai da narradora, um delegado, traz para a própria casa um jovem, acusado de assassinato e até canibalismo, para quer evitar que ele seja linchado na cadeia local.

“O livro faz parte de uma trilogia que ia ser publicada em um só volume, com três romances. Além da história da adolescente, haveria a visão do menino preso e uma história anterior a todos esses fatos. Como eu não estava satisfeita com o resultado, percebi que ela tinha uma autonomia em relação ao todo”, comenta.

Para compor essa adolescente sem os clichês dos narradores jovens pouco críveis, ela usou referências como o livro Infância, de Graciliano Ramos, “narrado do ponto de vista do adulto, mas com a curiosidade e intempestividade da criança”, e A Festa no Covil, do mexicano Juan Pablo Villalobos, em que um menino de nove anos conta como é ser filho de um chefe do narcotráfico. “Eu, por minha vez, observo muito as crianças e adolescentes ao meu redor. Meu sobrinho está nessa fase em que crianças deixam de ser boas e viram monstrinhos”, brinca.

Apesar dessa premissa criminal, o romance é também um narrativa sobre o cotidiano de uma pequena cidade dentro da ditadura – o Brasil é o próprio coração do inferno do título. A narradora vasculha as gavetas do pai porque quer conhecer mais sobre os processos que ele traz para casa e, lá, encontra indícios da existência de presos políticos e da tortura.

“Fui adolescente no final dos anos 1980 e lembro que naquela época, recém-saídos da ditadura, havia um interesse em discutir o regime militar não só no Brasil, mas em todo ‘terceiro mundo’. Fui vendo essas discussões diminuindo com o passar do tempo: embora tivéssemos um filme aqui e ali, um livro como o de Zuenir Ventura (1968: o Ano Que Não Terminou), há um interesse menor na fala das pessoas pela memória da ditadura e de tudo ligado a ela”, aponta.

Por isso, a ditadura é um assunto de hoje para Micheliny. “Ela é um passado muito próximo e inacabado. Tivemos um fim de ditadura consentido, uma anistia que mais prejudicou que auxiliou. Todos esses temas são latentes”, comenta. “E a função das artes é ser uma antena para o novo, mas sem esquecer o passado.” A política, por sinal, é um tema presente até no colofão (parte do livro que indica as especificidades gráficas do grupo), que critica o processo de impeachment de Dilma Rousseff – um “golpe de estado no Brasil que tenta aniquilar a esperança”. “Mas ela, a esperança, é resistência e beleza, e é ela que semeamos sempre, debaixo de toda tempestade, semente de fogo que, vicejando, nos protege, nos protegerá”, afirma o texto.

Se a política e a repressão são o pano de fundo da trama, o livro também tem seus ares de romance de formação. “É uma obra marcada pela ausência da mãe da narradora, uma tensão que ela silencia em relação à madrasta, que às vezes ela chama de mãe e por quem mantém sentimento dúbios. Em certo momento, ela começa a imaginar uma narrativa - ela projeta o futuro dela como o de alguém que escreve, começa a se formar para isso, experimenta a alteridade”, pondera.

Desde a capa até a menção à justiça feita com as próprias mãos, existem referências ao universo das histórias de faroeste, como a HQ Tex, e a Quentin Tarantino, com a protagonista de Kill Bill. “Pensei nas trilhas de Ennio Morriconi e também na pegada pop dos anos 1980, cito até o rock nacional”, acrescenta. Tudo isso da uma fluidez à narrativa, que Micheliny atribui aos conselhos de Italo Calvino: “a rapidez, a exatidão e a multiplicidade”.

Nos próximos planos, estão dois volumes de poesia, ambos pela Martelo Editorial: o primeiro, inédito, sai no final do ano; o outro, uma poesia reunida, deve sair em 2017. “Estou escrevendo muito. Programei para o ano que vem a segunda parte dessa trilogia, O Peso do Coração de um Homem, e, para 2018, O Amor, Esse Obstáculo, que a terminaria”, adianta.

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