COLETÂNEA

Os países e cidades de João Cabral de Melo Neto

A Literatura Como Turismo, de Inez Cabral, mescla poemas e memórias do seu pai

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 09/10/2016 às 5:37
Hiroto Yoshioka/Divulgação
A Literatura Como Turismo, de Inez Cabral, mescla poemas e memórias do seu pai - FOTO: Hiroto Yoshioka/Divulgação
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A literatura, garantia João Cabral de Melo Neto, era uma forma de visitar outros lugares, novas formas de viver, novas linguagens. As cidades, ao mesmo tempo, também eram estruturas poéticas, exatas ou caóticas. Em um dos seus poemas, ele chegou a questionar: “se lê ou se habita (Rafael) Alberti?/ se habita ou se soletra Cádis?”.

Os versos são do poema A Literatura Como Turismo, que empresta seu título a uma nova coletânea, organizada pela filha do autor, Inez Cabral, que acrescentou suas memórias ao texto. Ela encadeia, na obra editada pela Alfaguara, versos criados pelo pai sobre os muitos locais em que viveu como diplomata e escritor, intercalados com as lembranças pessoais e familiares dessas andanças.

O mote do volume é uma declaração firme de João Cabral: “Se eu não tivesse sido diplomata, minha literatura teria sido completamente diferente”. Sim, A Literatura Como Turismo mostra que o poeta foi profícuo em ver nas cidades, a partir da geografia, das pessoas, da leitura, do clima e da cultura, uma ampla temática literária.

“Meu pai sempre teve horror ao lirismo como linguagem poética. Então, o ambiente onde se encontrava era da maior importância para ele. Era um poeta que olhava para fora, e não para suas emoções pessoais. Ou, melhor dizendo, traduzia as suas emoções através de fatos exteriores”, comenta Inez, em entrevista por e-mail.

MÍTICO

Na apresentação da obra, ela brinca que, ao ouvir pela enésima vez o espanto de um interlocutor com o fato de ser filha de João Cabral, começou a perguntar: “Qual o poema dele que você prefere?”. O “silêncio incômodo” que se seguia, para ela, representava que o pai havia se tornado uma figura mais mítica do que lida – às pessoas, no máximo, conheciam Morte e Vida Severina por conta da TV.

“Então, a minha proposta de vida (uma delas) virou a necessidade de mostrar o poeta como uma pessoa comum, com seus problemas, como todos nós. Como ele morava fora, era meio inacessível, os intelectuais locais, professores, etc. escreveram textos eruditos a seu respeito e o que é pior: o rotularam. Segundo eles, João Cabral é um poeta duro, seco, insensível, difícil, etc. Ninguém levou em consideração que a sua poesia, como qualquer arte, aliás, tem milhões de leituras, uma por leitor. A crítica deve sempre vir depois da apreciação da obra e não antes, como é ensinada no segundo grau das escolas”, opina. 

“Então, ao escrever essas histórias, tentei passar a visão de um homem pela sua filha, de maneira humana e normal. Digamos que tentei, e espero ter conseguido, tirá-lo do Olimpo”, revela.

A Literatura Como Turismo traz mais do que as impressões do autor sobre as cidades e países por onde passou: revela a construção poética rigorosa que ele faz de cada uma delas. Estão lá Barcelona, Londres, Marselha, Genebra, Berna, Senegal, Equador, Rio de Janeiro e Porto, além, é claro, de Sevilha, sua grande paixão da carreira diplomática. O volume também é hábil em mostrar, na verdade, que João Cabral, à distância, estava sempre retornando a Pernambuco e ao Nordeste. Não por acaso, quando foi perguntado se era comunista, respondeu, com certo exagero bairrista: “Se o Brasil declarasse a guerra contra a União Soviética, eu lutaria pelo Brasil. Mas se o Brasil declarasse a guerra contra Pernambuco, lutaria por Pernambuco”.

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