Talvez seja a proximidade histórica, mas o ano de 2016 parece um dos mais difíceis de resumir dos últimos tempos. Tentar elencar os seus principais eventos pode até ser um caminho (longo) para isso, só que algo fica faltando – talvez os fatos em si não deem conta do turbilhão do recente. Para falar desse período próximo e inacessível, o presente, a Semana do Livro de Pernambuco preparou uma programação de debates, lançamentos, performances e oficinas. A primeira edição do evento começa nesta quarta (30/11), às 15h, no Museu do Estado de Pernambuco, e vai até o domingo (4 /12), sempre com atividades gratuitas.
Organizado pela Cia de Eventos, que coordena a Bienal do Livro de Pernambuco, e com curadoria do crítico literário Schneider Carpeggiani, o festival nasceu como boa notícia em um ano problemático para os eventos literários – muitos foram reduzidos ou não aconteceram, como a Fliporto. Na tentativa de dar conta do agora, a Semana do Livro escolheu como tema as Narrativas Possíveis do Presente, forma de provocar a literatura e os escritores a refletirem sobre a crise, a política, o poder judiciário, a ascensão do conservadorismo, as ocupações e outros dados da atualidade.
As mesas da abertura mostram isso. José Castello, crítico literário e autor do premiado romance Ribamar, vem falar sobre O Processo, narrativa de Franz Kafka publicada em 1925, à luz dos tempos atuais. Na obra está Josef K., um homem que se vê, sem saber o motivo e nem a acusação, como réu em um processo judicial. A trama desvela no seu absurdo a inacessibilidade da justiça e as acusações fabricadas – feitas, como ressalta o crítico, num paralelo com a realidade brasileira, mais de convicções do que de provas.
Na mesa seguinte, o jornalista e escritor Bernardo Kucinski se encontra com a tradutora e escritora Ivone Benedetti – em comum, os dois trazem o fato de terem escrito obras sobre vítimas da ditadura militar. Em Cabo de Guerra (Boitempo), Ivone conta a história de um homem sem convicções que termina como um infiltrado na militância de esquerda. Kucinski já ficcionalizou a história da sua irmã desaparecida política, em K. – Relato de um Busca. Seu novo romance, Os Visitantes (Companhia das Letras), fala de como a memória e o passado continuam sendo reescritos e questionados, mesmo quando são ficção.
A Semana do Livro ainda conta com nomes como André Dahmer (da tirinha Malvados), Elvira Vigna, Raimundo Carrero, Sidney Rocha e a youtuber Pam Gonçalves. O evento ainda traz oficinas: Carol Leão fala de Mitologia e Feminismo amanhã e sexta, às 14h; Rose Jarocki e Pedro Ivo da Silveira abordam as Atividades Lúdicas Cantadas no sábado e domingo, às 9h; e Wellington de Melo explica a edição cartonera no domingo, às 9h.
FERNANDO MONTEIRO
Também na abertura, a Semana do Livro recebe a estreia de um novo projeto: O Ano das Lágrimas na Chuva. Criado por Schneider Carpeggiani, a ideia é promover conversas de poetas contemporâneos com o escritor Fernando Monteiro. O primeiro encontro é com a pernambucana Adelaide Ivánova, autora de O Martelo e Polaróides.
O projeto nasceu, conta Fernando Monteiro, depois da sua mesa com a poeta Ana Martins Marques na última Bienal do Livro. “Schneider gostou muito e propôs esse projeto de diálogos sobre a guerrilha da poesia”, diz o autor de Mattinata.
Guerrilha porque o autor abandonou há alguns anos a escrita de romances como uma forma de protestar contra ao desprezo do meio editorial pelos versos. “Vamos conversar sobre essa coisa que está no ‘não lugar’ e, ao mesmo tempo, está em todos os cantos, a poiesis”, define. “A poesia não tem outra saída que não dilatar a consciência, até porque nunca buscou um público enorme.”
Os nomes dos que participam de O Ano das Lágrimas na Chuva – expressão tirada do diálogo final de Blade Runner – ainda não foram divulgados, mas Fernando dá pistas sobre o tipo de poetas que o interessam: Angélica Freitas, Ricardo Domeneck, Ana Martins Marques ou Adelaide (elogiada pela “malvadeza do pensamento” de alguns poemas seus). “Eu nunca iria entrevistar um autor que não me interessa. Por exemplo, Fabrício Carpinejar, que aparece no programa de Fátima Bernardes, segue o caminho do mainstream, do mercado, do prestígio, já fez até um consultório sentimental. Não tenho nada contra ele, mas o caminho que me interessa é o de guerrilha”, sintetiza o autor. “A poesia é um front na luta contra o mercado, é tão desesperadamente inútil que incomoda.”
Confira a programação da Semana do Livro de Pernambuco:
Quarta, 30 de novembro
Auditório Cícero Dias
15h – 2016 Sob o Signo de K. – José Castello faz uma masterclass sobre O Processo, romance de Franz Kafka
17h – A Escrita como Resgate – Bernardo Kucinski e Ivone Benedetti falam sobre dar voz às vítimas da ditadura brasileira
18h30 – Lançamento da Bienal do Livro 2017 e estreia do projeto O Ano das Lágrimas na Chuva, com conversa de Fernando Monteiro com Adelaide Ivánova
20h – Intervenção teatral do grupo Magiluth (área externa)
Espaço Livro Aberto
18h – Lançamento de Pegadas de um Sertanejo - Vida e Memória de José Saturnino, de Antonio Neto e José Alves Sobrinho
Quinta, 1º de dezembro
Auditório Cícero Dias
17h30 – Leia Mulheres recebe Elvira Vigna – A autora conversa sobre seu romance Como Se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas
19h – Lançamento de A História Incompleta de Brenda e de Outras Mulheres, de Chico Ludermir, com debate com o autor
Espaço Livro Aberto
18h – Lançamento de Além das palavras, de Léo Asfora
18h45 – Apresentação do grupo Cacuriá de Dona Teté
20h – Apresentação musical com o grupo Em Canto e Poesia
Sexta, 2 de dezembro
Auditório Cícero Dias
16h – Campus em Disputa – Conversa com Dandara Luísa Alves, Chico Ludermir, Maria Eduarda Mota Rocha e Yvana Fechine
17h30 – A Gestação de Pérolas Porcas – Raimundo Carrero recita e comenta textos do seu novo romance
Espaço Livro Aberto
19h – Mercado Literário no Nordeste, mesa com Lucinda Marques, Deborah Echeverria e Karla Melo
20h – Homenagem a Ascenso Ferreira com Maciel Salú e Isaar França
Sábado, 3 de dezembro
Auditório Cícero Dias
16h – As Vantagens de Ser Malvado – André Dahmer conversa com Carol Almeida
17h30 – Livrarias: Vocação Humanística? – Lourival Holanda e Daniel Bandeira Louzada conversam com Schneider Carpeggiani
19h – Lançamento de Guerra de Ninguém, de Sidney Rocha
Espaço Livro Aberto
15h – Lançamento de Religiosidade Popular - França e Pernambuco: Diálogos, Expressões e Conexões, de Silvério Pessoa
15h – Lançamento de Harém, de Eugenia Zerbini
18h30 – Andréa Nunes conversa com Sidney Nicéas sobre seu processo de criação
19h – Lançamento de 20 – Para Pensar um Pouco, de Miró
20h – Apresentação de Zelito Nunes e Eugênio Jerônimo
Domingo, 4 de dezembro
Auditório Cícero Dias
15h – Como Fazer a Magia de Harry Potter Funcionar – Conversa com Monica Figueiredo, editora da Rocco
17h – Booktubers – Modos de Ser e Usar – Conversa com a booktuber Pam Gonçalves
Espaço Livro Aberto
15h – Apresentação de Sidney Nicéas sobre o livro Noite em Clara
18h – Mirela Paes e Raisa Brennichi conversam sobre literatura e cultura digital
18h – Lançamento de Tempos de Olívia, de Patrícia Maês
18h30 – Lançamento de 20 – Para Pensar um Pouco, de Miró
19h – Lançamento de Abuso de Poder, Igualdade e Eleição, de Felipe Ferreira Lima
Oficinas e Cursos
Quarta e quinta - 14h – Mitologia e Feminismo, com Carolina Leão. Auditório Cícero Dias
Sábado e domingo - 9h – Atividades Lúdicas Cantadas, com Rose Jarocki e Pedro Ivo da Silveira. Bienalzinha
Domingo – 9h – Oficina Cartonera, com Wellington Melo. Área externa
