Quando tinha 35 anos, Gonçalo M. Tavares impactou o mundo literário com seu romance Jerusalém. O ano era 2005 e, além ter sido inclusa na versão europeia do volume 1001 Livros Para Ler Antes de Morrer, a obra foi descrita pelo mestre José Saramago, seu conterrâneo, como “um grande livro, que pertence à grande literatura ocidental”. “Gonçalo M. Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!”, completou o Nobel de Literatura.
Nascido em Luanda há 47 anos, mas criado em Portugal, o escritor está hoje no Recife na Feira Nordestina do Livro, Fenelivro – em 2011, ele veio a Olinda participar da Fliporto. É dele a palestra de encerramento, cuja temática vai permear a relação entre literatura, imaginação e realidade, tríade que vem sido bastante abordada pelo autor em suas palestras.
Em junho deste ano, quando esteve em São Paulo para comemorar o Dia de Portugal, em sua fala versou sobre esses elementos. A partir de alguns dos seus livros, como Aprender e Rezar na Era da Técnica, lançado no Brasil em 2008, Gonçalo fala da questão religiosa, linguística e política. A relação entre a literatura contemporânea e a história do século 20 a partir de seu Uma Menina está Perdida no Seu Século à Procura do Pai, último livro lançado.
Este se passa na Europa pós Segunda Guerra, onde, em meio a uma paisagem de escombros, figuras esqueléticas e quase absoluto desamparo social e psicológico, uma menina e um homem perambulam por entre as ruínas. "Eu acho que tanto a ficção quanto a realidade são resultantes de escolhas, de decisões nossas. É aquilo para onde eu olho, aquilo que vai construir uma história, quer seja ficcional ou real", disse uma vez. A definição do que é real e do que é da ordem da ficção, segundo o português, é muito particular e individual.
A relação de Gonçalo com o Nordeste brasileiro não é de hoje. Amigo do escritor cearense radicado em Pernambuco Sidney Rocha, ele escreveu sobre Fernanflor, livro lançado em 2015 pelo brasileiro. "Ele tem isso, de tratar as cousas e as coisas com maiúsculas. É o tipo de tipógrafo que subverte a caixa de tipos todas as vezes que ‘compõe’ uma Linha, quando trata a Linguagem", analisa Sidney.
"Isso talvez seja um ponto relevante a mais em Gonçalo Tavares, e no que me identifico mais: se nota uma evolução da crítica do contemporâneo por dentro, a partir mesmo da linguagem, esse monstro que esclarece tudo e escurece tudo, também; esse elemento que é o único com o qual o escritor tem que se debater."
PROGRAMAÇÃO
O último dia da Fenelivro é marcado por uma programação majoritariamente histórica e memorialística. A feira abre às 9h e o primeiro debate acontece às 10h. O tema é A Ditadura Desvelada, com participação de integrantes da Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Câmara e mediação do presidente da Cepe, jornalista Ricardo Leitão.
O período da Ditadura Militar continua em pauta de tarde, com o lançamento do livro-reportagem O Massacre da Granja São Bento, às 15h. Escrita pelo pernambucano Luiz Felipe Campos, a obra rememora a execução de seis integrantes da Vanguarda Popular Revolucionária em uma propriedade rural no Estado. Uma das vítimas foi a paraguaia Soledad Barret Viedma, mulher de Cabo Anselmo, agente infiltrado que tramou a entrega dos companheiros. O jornalista Sérgio Montenegro Filho e o relator da Comissão da Verdade, Manoel Moraes realizam um debate com o autor.
Em seguida, às 17h30, o dramaturgo Valdir Oliveira palestra sobre os audiolivros e como o áudio pode se tornar um recurso de inclusão literária. A Fenelivro tem programação e entrada gratuitas e encerra esta sua terceira edição às 21h. Centro de Convenções (Av. Professor Andrade Bezerra, s/n , Salgadinho, Olinda).