crítica

Fernando Monteiro em busca do ainda estranho em 'Contos Estrangeiros'

A obra, lançada no ano passado, traz 15 histórias sobre estar deslocado em um mundo saturado

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 30/03/2018 às 18:57
Michele Souza/JC Imagem
A obra, lançada no ano passado, traz 15 histórias sobre estar deslocado em um mundo saturado - FOTO: Michele Souza/JC Imagem
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No seus diários, a escritora francesa Anaïs Nin afirmou: não aceitaria ser uma mera turista em um mundo de imagens. Contos Estrangeiros, livro do escritor pernambucano Fernando Monteiro, de certa forma, traz no seu cerne essa recusa de circular por um mundo só de aparências, de lugares vistos apenas como paisagem, de experiências sempre antecipadas por roteiros detalhados. Lançado pela Confraria do Vento, o volume traz 15 histórias muito mais do que estrangeiras – são narrativas do desconforto de estar sempre fora de casa em um mundo de cidades vivas, mas “vivas de um modo morto”.

Também cineasta e crítico, Fernando usa a escrita sempre para evitar atalhos. Autor de romances como Aspades, ETs, Etc e A Cabeça no Fundo do Entulho – feitos antes de abandonar as narrativas longas por discordar das preferências do mercado editorial –, ele só publicou uma obra de contos, Armada América, em 2003. Em Contos Estrangeiros, cria uma série de histórias que, em certo momento, parecem se unir e, em outros, indicam que somos nós que juntamos pistas falsas para tentar entendê-lo.

O tema inicial dos contos é o da viagem, do antiturismo. “A civilização que se voltou contra o fumo para morrer de tédio nos sábados de compras do enfarte”, brinca a narrativa Petra. Os personagens de Fernando estão em oposição aos viajantes distraídos. Os turistas são observados, com um olhar crítico (e talvez alguma inveja da leveza”) que diz que eles passam pelas “melhores cidades que não sabem visitar”. “São águas passadas. Os poetas estão mortos. Os cafés foram substituídos por drugstores, e eu não sou guia turístico de um mundo tão recentemente enterrado”, diz sobre Atenas.

Sem nunca sair do que é estrangeiro, o livro vai passeando por cidades e personagens. As geografias vão mudando, os personagens podem ser diferentes, mas algo vai se mantendo de um conto para outro, como uma obsessão que ainda não está pronta para ser admitida. Tudo isso porque Fernando é um desses raros autores que sabe fazer suas narrativas pensarem sem precisar avisar o leitor que farão isso – trazem hesitações agudas e retornos ao começo de uma história que já ensaiava seu fim.

OLHAR DO VIAJANTE EXAUSTO

A prosa dos contos parece às vezes a de um viajante exausto, que ensaia achar algum sentido na colagem do que foi visto com as lembranças e leituras. Atenas é a decadência de uma Atenas anterior, Preta é a cidade e uma mulher alemã que o autor conhece, as duas como imagens saturadas em que se procura algo além da superfície.

Em algumas histórias, a memória parece mais estrangeira do que os locais: ela que é hostil por trás da aparência. “Por que estou condenado a seguir lembrando essas coisas, com uma atenção tão concentrada? Há uma doença qualquer nisso”, questiona-se um personagem. Nas narrativas finais, o livro fala da relação íntima entre um filho e sua mãe, viúva ainda na lua de mel.

Em um dos seus aforismos, o autor alemão Karl Kraus descreve um escritor como alguém capaz de, a partir de uma resposta, criar um enigma. A prosa de Fernando é assim: desfaz certezas e depois as traz como novas charadas, sem dar os elementos para serem resolvidas – por que elas são as questões do mal-estar humano há bastante tempo. Contos Estrangeiros é um pouco como, numa imagem criada pelo próprio autor, “o cachimbo que entorta a boca da ficção”.

No fim, a prosa de Fernando é uma provocação – mais incômoda do que explícita – em nome de um mundo menos familiar e adestrado. O verdadeiro estrangeiro, afinal, é quem aprecia as gambiarras que fazem uma cidade parecer fascinante. Em dos contos, o autor revela carregar a suspeita “de ser (a literatura) apenas uma ordenação de nadas”. Esses vazios encadeados do livro não deixam de produzir uma grande ficção.

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