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Fátima Quintas mergulha na própria memória em novo livro

Tempos Partidos é a 50ª obra da escritora pernambucana, integrante da Academia Pernambucana de Letras

JC Online
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Publicado em 08/04/2018 às 8:42
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Tempos Partidos é a 50ª obra da escritora pernambucana, integrante da Academia Pernambucana de Letras - FOTO: Ricardo B. Labastier/JC Imagem
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Logo no início do seu novo livro, Tempos Partidos (Bagaço), a escritora e antropóloga Fátima Quintas avisa: “Não censurei os íntimos suspiros e isso é sempre perigoso”. Apesar de costumar trabalhar as próprias lembranças em livros e crônicas, a autora decidiu na obra contar suas memórias, com foco na infância e na juventude. A obra vai ser lançada segunda (9), às 18h, na Academia Pernambucana de Letras, com recital de Adriano Cabral, exposição de fotografias de artistas de Pernambuco e a apresentação da Orquestra Sinfônica de Feira Nova e de Myriam Brindeiro.

Tempos Partidos é a 50ª obra de Fátima. Até pelo número, esse retorno biográfico ao passado ganhou um ar especial. “Eu sempre devi muito ao passado. Não é um saudosismo mórbido, mas uma ligação saudável. A infância e a adolescência são fundamentais para a nossa história”, conta a escritora. “A memória é uma forma de alimentar a minha identidade.”

Ao mesmo tempo, ela faz questão de ressaltar que o livro não se trata de memórias puras. “É justamente a reinvenção que a faz existir. Quando eu lembro, resgato o passado, eu o reavalio, ele passa a ser a matriz da minha literatura”, conta. Ao mesmo tempo, Tempos Partidos não é uma ficção. “Há um ponto de partida claro, que encontra uma reelaboração natural. O culto ao passado é um fermento para a minha própria reinvenção e existência”, continua.

Segundo Fátima, o livro nasceu de uma necessidade íntima de fazer uma narrativa biográfica “que tem seus pontos de ficção”. “Eu entendo a infância e a adolescência como etapas importantes da identidade de cada um, da nossa construção pessoal” .

Em alguns capítulos, a autora traz páginas do seu diário de adolescência, chamado de Baú de Feitiços. “Eu me escondo em alguns momentos. O Baú de Feitiços é criado, é um instrumento, uma reinvenção do que se passou comigo. Foi uma forma clara de me proteger”, afirma. Na capa, ela colocou uma mulher de costas se olhando no espelho. É uma metáfora do seu “desnudamento” no livro. “É como se eu quisesse dizer: ‘Vou falar, mas vou falar de costas’”, comenta.

Os recursos ficcionais não ofuscam as revelações de Fátima – sobre a sua personalidade, os momentos marcantes, a descoberta da sexualidade, a viagem a Portugal quando jovem. “Minha mãe dizia que eu não devia escrever sobre minha intimidade no jornal. ‘Não se desnude tanto lá. Faça isso nos livros’, dizia. E eu só consegui fazer isso depois que ela morreu. Em Tempo Partido, eu não engano o leitor. Conto como é possível lembrar, falo dessa memória que atormenta e agrada ao mesmo tempo”, aponta.

SOMBRAS

Em outro momento da obra, Fátima escreve: “Há luzes e sombras na catarse textual. Mais sombras do que qualquer outra coisa”. Mais do que apenas tristezas, a autora está falando sobre seu hábito de ficar na penumbra, discretamente, e também da sua preferência pela noite. “Sempre fui notívaga, sempre tive enormes insônias. Não gosto de sol, não gosto de praia – acho que só fui umas cinco vezes a uma durante o dia na minha vida. Prefiro o crepúsculo. Tenho fascínio pela noite, pelo silêncio e até pela solidão, a solidão que eu mesmo escolho para mim”, define-se.

“Além disso, não gosto tanto de festas, sou uma pessoa retraída, discreta. Eu dei muito trabalho para minha mãe por conta das insônias. Fui a um médico, Jarbas Pernambucano, que disse a minha mãe: ‘Não adianta insistir, sua filha será sempre notívaga”, segue a escritora. “A luz do sol ofusca a minha inspiração.”

A escrita de Tempo Partido não foi simples. Evocar algumas memórias – o livro termina com a morte precoce do primeiro marido de Fátima, apenas 11 anos depois do casamento dos dois – era doloroso também. “Houve um momento em que eu tive que parar para dar um tempo para retornar. Não escrevi de uma vez só: o livro começou a ser feito há dois anos e teve intervalos. Eu me lembrei muito da minha vida com esse livro. Embora eu tivesse a pulsão de dizer – uma pulsão reinventada, ressignificada – até agora não sei se fiz bem. É um livro que me deixa ansiosa em relação ao conteúdo dele, a tudo que eu disse ali”.

Fátima ainda não sabe se vai escrever as memórias posteriores à juventude. “Não descarto, mas não está nos meus planos de agora. Ainda tenho muito o que contar. Esse livro traz muito das minha inseguranças e incertezas da época, eu era uma menina de 22 anos – ainda se era menina com essa idade então – que morei só em Portugal. É um livro catártico, mas também temeroso”, explica.

Sobre os próximos planos, revela que trabalha em dois livros. Um é o Dicionário de Expressões Portuguesas Populares, com anotações de quando morou no país. Outro é o volume Ensaios Extraviados, com textos inéditos.

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