“Ai meu Deus, me dei mal, bateu na minha porta o Japonês da Federal”. A marchinha em homenagem ao agente Newton Ishii foi o sucesso no Carnaval de 2015. Ápice da Operação Lava-Jato, o policial federal teve direito a máscara carnavalesca e boneco nas ladeiras de Olinda. Porém o que muitos desconhecem é a trajetória árdua do nissei oriundo de Carlópolis, no Paraná. Com depoimentos de Marcelo Odebrecht, Alberto Youssef, Renato Duque, Adir Assad e outros, O Carcereiro, o Japonês da Federal e os presos da Lava Jato (Editora Rocco, 270 páginas, R$ 34,90) o livro escrito pelo jornalista Luís Humberto Carrijo vai além da biografia de Newton e adentra no bastidores dos encarcerados na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
Aposentado desde fevereiro deste ano, ele revela que seu sonho não era a Polícia Federal, mas sim piloto comercial. As dificuldade na época, no entanto, e a influência do sogro, mudaram o curso de sua escolha. Em janeiro de 1975 prestou o concurso para a Academia Nacional da Polícia Federal, sendo admitido na primeira tentativa. No ano seguinte, o paranaense serviria em Guairá, oeste do estado. “Naquela época era terrível, sabe?”, cita o agente ao recordar a monotonia da cidade. Porém, em pouco tempo, ele demonstrou tato para a profissão e aos 21 anos assumiu o comando da delegacia situada na fronteira com Paraguai. “Imagine, recém ingressado na PF e já sentado atrás de uma mesa recebendo advogados, prefeito, juiz... Poxa, tudo aquilo era muita novidade”, recorda em depoimento.
Tendo a “experiência de polícia”, Newton tece críticas à atual geração de policiais federais e delegados. Para o ex-agente, os novatos têm os olhos voltados apenas para o salário. “Os delegados chegam aqui na PF só com o diploma de advogado debaixo do braço, sem experiência, sem conhecimento de gestão, sem vocação, sem interesse de serem policiais, doidos para aparecerem na mídia”, reclama.
SUCURI
Em 2003 a Operação Sucuri investigou a participação de agentes públicos na facilitação de contrabando do Paraguai na tríplice Fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai). Entre funcionários da Receita Federal, policiais rodoviários federais, atravessadores e agentes da polícia federal, estava Newton. Ao todo, 37 foram presos.
Em reserva, um agente cita que a operação “colocou todo mundo no mesmo saco” ao supostamente interpretar erradamente escutas telefônicas entre atravessadores e agentes da polícia federal. “Ter contato com alguém não é indício de algo criminoso. As pessoas se falam, coisas normais do dia a dia. O conteúdo dos bate papos não tinha nada de mais.”
Preso no dia 7 de março, Ishii passou quatro meses na cadeia, porém, após uma decisão do desembargador, João Surreaux Chagas recebeu o habeas corpus. O caso voltaria em 2009 quando foi condenado em primeira instância a quatro anos e dois meses por corrupção e descaminho. Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o recurso em segunda instância e no dia 7 de junho a 4° Vara de Execução Penal da Justiça Federal de Foz do Iguaçu emitiu o mandado de prisão. “Ninguém nunca apresentou qualquer prova do que eu tivesse feito parte dessa organização criminosa”, reclama Newton.
Para o agente, a operação foi realizada para promover quem a comandava. “O Joaquim Mesquita, que chefiou a operação, era um alpinista dentro do departamento. Viu na operação um atalho para ganhar visibilidade nacional”, complementa em trecho.
FAMÍLIA
Os problemas com a Justiça foram um empecilho e geraram marcas na vida de Newton. Mas a maior delas veio com relação às perdas familiares em pouco espaço de tempo. O suicídio de seu filho Eduardo em 2006 e a morte subsequente da esposa Fátima, em 2009, cravou no fundo do clã Ishii algo que não pode ser exemplificado neste texto. Porém, uma frase sobre os entes demonstra o que pensa o agente aposentado. “Foi um privilégio.” Descrever uma perda não é, e nunca será uma tarefa fácil. Jornalistas e escritores andam minuciosamente em uma corda bamba quando o assunto é a morte. Contudo Carrijo adentra o assunto com a delicadeza que a situação exige.
LAVA JATO
Após uma revisão no tempo de serviço de agentes federais que ingressaram na instituição antes de 1985, o Tribunal de Contas da União revogou a aposentadoria de Newton e o reintegrou à ativa. Em 2014, ele voltaria se encrava no palco principal da Lava Jato. Responsável pelo Núcleo de Operação em Curitiba, ele foi responsável pelo planejamento das prisões e a integridade dos presos. Em 2015, após acompanhar algumas celebridades do Petrolão, Newton Ishii foi denominado “O Japonês da Federal”.
“Ainda tenho que ir a Pernambuco agradecer a quem me homenageou, porque depois de pesquisar, percebi que apenas personalidades que se sobressaem recebem esse tributo”, afirmou Newton ao conhecer a história dos bonecos de Olinda.
O título caiu na boca do povo e até filhos de detentos não se continham em tirar selfies com o responsável pela prisão de seus pais. “Não tem cabimento você querer tirar foto com o carcereiro do seu pai”, reclamou Marcelo Odebrecht.
CARCERAGEM
O livro se expande para acontecimentos alheios ao conhecimento público. Os antigos poderosos acostumados a uma vida de luxo bancada com dinheiro público agora enfrentam a dura realidade da prisão. Nela Newton conseguiu o reconhecimento por sua postura firme. “Ele cuidou dos presos sem regalias, mas manteve os direitos”, relata Alberto Youssef, preso na Operação Lava Jato por lavagem de dinheiro.
O estado psicológico dos presos também era um fator de preocupação do carcereiro. O humor era constantemente balanceado para aliar a atmosfera. “O Moro mandou te prender de novo?”, perguntou a um detento. Ao ouvir um “sim, de novo”, respondeu: “Mas você não fez nada”.
O equilíbrio trazido por Luís Humberto entre a vida do agente e a vida dos corruptos mostra que os personagens conhecidos da mais famosa operação anticorrupção do país possuem muito mais a mostrarem para a população do que se é noticiado. Além de biográfica, a obra pode ser entendida como uma aula sobre os porões da corrupção.