ENTREVISTA

Lucas Figueiredo conta como construiu a biografia de Tiradentes

Na obra, publicada pela Companhia das Letras, o jornalista mostra um inconfidente radical e destemido

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Publicado em 22/09/2018 às 8:43
Pablo Saborido/Divulgação
Na obra, publicada pela Companhia das Letras, o jornalista mostra um inconfidente radical e destemido - FOTO: Pablo Saborido/Divulgação
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Na programação de sábado (22) da Fenelivro, no Centro de Convenções, o jornalista mineiro Lucas Figueiredo vem lançar a biografia O Tiradentes (Companhia das Letras), trabalho que desvenda o mais famoso inconfidente bem além da mito. Nesta entrevista a Diogo Guedes, ele fala da extensa pesquisa e mostra um Tiradentes radical e destemido.

ENTREVISTA

JORNAL DO COMMERCIO – Toda biografia é um desafio em si, mas falar de uma figura icônica e, ao mesmo tempo, desconhecida é ainda mais complexo. Como foi unir dados esparsos e tentar dar corpo a Tiradentes durante a pesquisa e a escrita?
LUCAS FIGUEIREDO – Apesar das dificuldades em encontrar documentos da época, foi possível reunir material para traçar toda a vida de Tiradentes, do seu nascimento à morte na forca. Há, claro, algumas lacunas. Não se sabe nada, por exemplo, do que aconteceu com ele entre seus 21 e 28 anos de idade. Já em alguns momentos, é possível fazer um relato hora a hora dos acontecimentos, ou mesmo minuto a minuto. Foi possível, por exemplo, contar com detalhes muito vívidos as últimas horas de Tiradentes.

JC – Uma das forças do livro é que ele observou documentos pouco estudados sobre Tiradentes. O que foi possível revelar sobre ele com esses dados?
LUCAS – Na pesquisa, que durou cinco anos, eu recolhi documentos da época em arquivos do Brasil (Minas Gerais e Rio de Janeiro), Portugal, Estados Unidos e França. Os arquivos franceses (Arquivo Nacional e Arquivo do Ministério de Relações Exteriores) e os americanos (Arquivos Nacionais e Arquivo Thomas Jefferson) revelaram algumas pérolas, como relatórios de espiões escritos em código (e devidamente decodificadas) e cartas pessoais muito tocantes.

JC – Você mostra um Tiradentes radical e destemido. Do que podemos falar do pensamento político de Tiradentes? Quais foram suas leituras e influências?
LUCAS – Tiradentes era um revolucionário. Tramou a independência de sua terra-natal sabendo que isso levaria a uma guerra com Portugal. Para isso, estava disposto a matar e, se preciso fosse, a morrer. Pretendia substituir o sistema monarquista português, que tinha ainda ranços da Idade Média, por uma república em que os governantes seriam eleitos. Sua inspiração era a Revolução Americana, que havia acontecido apenas uma década antes. Ele tinha verdadeira obsessão por um livro, que ganhou de presente, que reunias as leis constitutivas dos Estados Unidos. Como esse livro era escrito em francês, Tiradentes, que era monoglota, ia traduzindo palavra por palavra, parágrafo por parágrafo, página por página, com a ajuda de um dicionário de francês. Quando não conseguia avançar, pedia ajuda a algum de seus amigos que dominavam o francês.

JC – Tiradentes era incumbido de fazer propaganda da rebelião dos inconfidentes. O que o fez agir de forma tão pública na defesa da rebelião?
LUCAS – Ele acreditava que, ao disseminar o projeto da Conjuração Mineira, ele ia conseguir adesões que botariam de pé o movimento. Sua estratégia foi ousada e embutia muitos riscos. Ele sempre teve consciência dos perigos que corria, sabia que podia acabar no patíbulo, mas assumiu todos os riscos. Mesmo quando o barco dos conjurados já estava fazendo água, ele continuou firme com sua estratégia.

JC – Você analisa também os depoimentos de Tiradentes já preso. É durante esse processo que ele assume o posto de mártir?
LUCAS – Ao ser preso, ele sabia que seria morto. E, nos depoimentos que deu quando estava preso, tentou livrar os seus companheiros, chamando para si toda a culpa. Foi certamente um ato de grande bravura.

JC – Tiradentes passou muitos anos esquecido e, depois, foi retomado como um mito. Por que sua figura transcende lados políticos e períodos? Como o inconfidente já foi distorcido para justificar o uso do seu imaginário?
LUCAS – Depois de sua morte, em 1792, Tiradentes ficou meio século esquecido. Foi resgatado em meados do século 19 pelo movimento republicano, que precisava de um símbolo, um herói. É nessa época que surge a figura absolutamente fantasiosa de Tiradentes com barba e cabelos longos, à la Jesus Cristo. Depois disso, Tiradentes continuou tendo sua imagem distorcida e apropriada por movimentos das mais variadas matizes (Getúlio Vargas, ditadura militar, grupos guerrilheiros de esquerda etc.). Mais recentemente, tanto Lula quanto Michel Temer compararam suas trajetórias com a trajetória de Tiradentes. Ou seja, todo mundo ajudou a moldar o mito e tirou dele uma casquinha. O verdadeiro Joaquim José da Silva Xavier é, porém, muito diferente do mito. Foi um homem de grandes qualidades e também com enormes contradições.

JC – Sua próxima biografia vai se dedicar a observar Juscelino Kubitschek. O que o motivou em um primeiro momento a escrever sobre ele?
LUCAS – De certo modo, JK também foi vítima do mito que foi criado em torno dele. Quero fazer o mesmo que fiz com Tiradentes: desconstruir o mito para ver quem foi o homem.

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