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Bob Woodward escreve sobre o desgoverno de Donald Trump

O mesmo jornalista denunciou escândalos de Richard Nixon

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 24/09/2018 às 15:00
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O mesmo jornalista denunciou escândalos de Richard Nixon - FOTO: foto: AFP
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“Corram para o abrigo antinuclear, o presidente enlouqueceu de vez”, poderia seria um bom título para o livro Medo: Trump na Casa Branca, sobre o governo do presidente norte-americano. Quem o assina é o jornalista do Washington Post Bob Woodard, o mesmo que, com o também jornalista Carl Berstein, foi primordial para a queda do presidente Richard Milhous Nixon, há 44 anos, revelando os detalhes do escândalo de Watergate. As informações de Woodward sobre Trump são provenientes de entrevistas as quais chama de “deep backward”, grosso modo, “por baixo dos panos” (trocadilho com “deep throat”, seu informante sobre os meandros do governo Nixon). Todas conversas foram gravadas, mas ele preservou os nomes das fontes, pessoas que participaram ou testemunharam os episódios contados na história. Além disto teve acesso a documentos, diários pessoais. O presidente Donald Trump, ressalta o autor, recusou-se a conceder entrevista para o livro. Em Medo..., a história não se repete como farsa, mas como opera bufa.

“Você pode vir para Nova Iorque? A pergunta foi feita a Steve Bannon, futuro assessor de Trump, por David Bossie, ativista conservador, que fazia investigações sobre Bill e Hillary Clinton para os republicanos. Quando Bossie contou que o convite era para uma reunião com Donald Trump, que estava pretendendo se candidatar a presidente, Bannon perguntou: “De que país?”. Bannon, assumidamente de direita, dirigia filmes publicitários, ou de propaganda política, era diretor do site de alta audiência Breibart News Network, de extrema direita, que forjava fake news, teorias da conspiração, entre outra atividades, mas não levava Donald Trump a sério. Porém, acabou sendo convencido. Isto aconteceu em 2010, quando uma onda conservadora grassava os EUA, o chamado Tea Party, um movimento conservador dentro do Partido Republicano.
Na sala de reunião, no 26º andar, da Trump Tower, em Manhattan, Bannon passou a enumerar os empecilhos para Donald Trump concorrer à presidência pelo partido republicano. O primeiro deles é que Trump contribuía para campanhas de candidatos a favor do aborto. “Mas eu sou a favor da vida, contra o aborto”, defendeu-se Trump. Bannon retrucou que existiam registros negando isto. “A gente ajeita isto. É só você me
dizer como fazer”.

Mais outro problema: ele não votava nas primárias do partido. Tentando enganar a si mesmo, Trump garantiu que tinha votado em todas as primárias nos últimos vinte anos. Bannon refrescou-lhe a memória. Ele só votara uma vez, em 1988 ou 1989. Por fim, mas não menos importante, Bannon lembrou ao futuro presidente americano republicano que 80% das suas doações de campanha tinham sido distribuídas com candidatos democratas. Como se tivesse sendo inquirido por um diretor de colégio depois de alguma encrenca, Trump negou veementemente que tivesse doado dinheiro aos democratas. Quando sentiu que não podia mais negar, admitiu: “Tive que dar. Estes putos destes democratas governam todas as cidades. Tenho que construir meus hotéis, tenho que molhar as mãos deles. Eles vêm a mim”, justificou-se Quando saíram da reunião David Bossie quis saber se Steve Bannon achava que Trump poderia disputar à presidência pelo republicanos. “De jeito algum. Chance zero. Abaixo de zero. Veja a zorra de vida que ele leva, ora” foi a resposta.

CANDIDATO

Em 16 de junho de 2015, Donald Trump entrou na disputa das primárias do partido Republicano. No discurso em que anunciou que pretendia ser candidato à presidência da maior potência do planeta, antecipou seu estilo. Chamou os mexicanos (e hispânicos em geral) de “estupradores”. Parafraseando Dante Alighieri, o dinheiro move o mundo e o universo. O rolo compressor de Trump passou por cima de 16 concorrentes no dia 21 de julho de 2016, ele foi confirmado como o candidato do partido para decidir a presidência dos EUA com a democrata Hillary Clinton. O senador Reince Priebus, presidente do comitê nacional dos republicanos, tentou domar o desbocado Trump – em vão. O candidato continuou a atacar minorias, maiorias, gêneros. “O senador Mitch McConnell, o astuto líder da maioria republicana, teve uma reunião particular com Priebus, e sugeriu que abrisse as torneiras do dinheiro para os candidatos ao senado e fechasse o candidato à presidência. A torneira continuou aberta para todos”.

O início da campanha tornara-se o retrato de uma morte anunciada. Estimava-se que Hillary iria botar vinte pontos à frente. Foi quando convocaram o competente Steve Bannon para apagar o fogo. Bannon estabeleceu as regras básicas: a adversária seria tratada como a líder de uma elite decadente, e contente com a decadência do país. Trump iria se dirigir à maioria silenciosa a qual prometeria recuperar a grandeza americana. Uma trinca de promessas de campanha para agradar aos eleitores em potencial: acabar com a imigração ilegal, limitar a imigração legal, e trazer de volta as tropas americanas destacadas no exterior e deixar de importar bens manufaturados.

Bob Woodward e Carl Berstein fizeram de Todos os Homens do Presidente, um best-seller que virou filme premiado com Robert Redford e Dustin Hoffman, mais do que uma reportagem que abalou o império, um thriller de primeira classe. Woodward emprega aqui muitos dos mesmos ingredientes, numa história que envolve hackers russos, sexo, intrigas internas, muito suspense, arrematado com um final totalmente surpreendente, a vitória de Donald Trump, contra tudo e todos.

Quando vazou uma lamentável conversa dele sobre como era fácil pegar mulher e passar a mão nelas por ser ele uma celebridade. O escândalo nacional, levou os próceres republicanos a pedirem a cabeça do candidato. Ele se negou a pedir desculpas. Pelo contrário, foi ao ataque. A confusão aconteceu às vésperas de um debate, em St Louis, Missouri, com Hillary Clinton, e Bannon municiou Donald Trump para o embate. Caso seus assédios entrassem na pauta, na plateia estariam quatro moças, Paula Jones, Juanita Broderick, Kathleen Willey, que processaram Bill Clinton por estupro ou assédio. Na noite da eleição, o New York Times previa que Hillary tinha 85% de chances de vencer. Inesperadamente, até para ele, Trump começou a ganhar. Às 12h02, ele ganhou no Wisconsin e venceu a eleição.

“Durante os primeiros seis meses na Casa Branca, poucos vão entender o quanto ele consumiu de mídia. Assustador. Trump não aparecia para trabalhar antes das 11h da manhã. Na maioria das vezes ele assistia de seis a oito horas de TV por dia. Imagine como seu cérebro ficaria se você fizesse isso”, comenta Bannon, depois de sair do governo, com Bob Woodward. O rei do Twitter por pouco não o usa para provocar uma guerra contra Coréia do Norte no início de 2018: Tudo começou na véspera de Ano Novo, numa mensagem e Kim Jong Um, lembrando ao mundo, e ao presidente dos Estados Unidos, sobre suas armas nucleares:
“Não se trata de uma simples ameaça, mas de uma realidade, eu tenho u botão nuclear na mesa do meu gabinete, declarou Kim, e todo o território americano está ao alcance de um ataque nuclear nosso...”. À noite, Trump enviou um insultuoso “o meu é maior do que o teu” tweet que abalou a Casa Branca e a comunidade diplomática. ‘O líder norte-coreano Km Jon Um acaba de anunciar que o botão nuclear está sob sua mesa o tempo inteiro”, Trump escreveu às 7h49 da noite. “Por favor, alguém deste falido e esfomeado país pode informá-lo que eu também tenho o botão nuclear, porém muito maior e mais poderoso do que o dele, e que funciona?”.

Pelo que Bob Woodward conta, o planeta ainda continua girando em torno do sol porque Donald Trump habita outro mundo. No começo de setembro de 2017, o assessor da presidência, o bilionário Gary Cohn entrou no salão oval e vislumbrou sobre a mesa de trabalho de Trump um ofício endereçado ao presidente da Coreia do Sul extasiando o acordo de livre comércio entre os dois países. Cohn ficou chocado. Aquilo seria um desastre para a política econômica e externa dos EUA. Embora deficitário para os americanos, o acordo permitia que este mantivessem bases na Coreia do Sul com equipamento capazes de detectar e destruir, em sete segundos, mísseis lançados pela Coréia do Norte. O acordo não foi desfeito porque Gary Cohn foi pragmático. Escondeu o ofício numa espécie de arquivo morto: “Em meio a anarquia da Casa Branca, e da cabeça de Trump, o presidente não se deu conta do sumiço do ofício”

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