É difícil não se impressionar com vários do eventos da vida da escritora Cassandra Rios. Ela foi, antes de tudo, pioneira na literatura erótica brasileira, vendendo mais de um milhão de exemplares e muitas vezes trazendo personagens lésbicas e outras minorias para as suas histórias. Até por conta disso, foi a escritora mais censurada da ditadura militar brasileira, que acreditava que suas narrativas ofendiam “a moral e os bons costumes”.
Apesar dessa trajetória, a escritora estranhamente caiu no esquecimento das gerações mais novas. Ao notar esse desconhecimento, a diretora e editora Hanna Korich decidiu começar em 2012 a produzir um documentário sobre a vida e obra da autora. Nascia assim o longa Cassandra Rios: a Safo de Perdizes, que vai ser exibido e debatido nesta terça (23), a partir das 17h30, no Anfiteatro do Cegoe, na UFRPE (R. Manuel de Medeiros, 36, Dois Irmãos). A entrada é gratuita.
Cassandra Rios, na verdade, era o pseudônimo de Odette Pérez Ríos, uma filha de imigrantes espanhóis que nasceu em Perdizes, em São Paulo. Estudou em colégios de qualidade, escrevia poesia e, aos 16 anos, convenceu a mãe a bancar a publicação do livro. Com uma condição: “Ela proibiu os parentes de lerem a obra, A Volúpia do Pecado”, conta Hanna.
A diretora, que mantém uma editora voltada para livros com temática lésbica, a Malagueta, notou a necessidade de se falar de Cassandra quando passou a ler seus textos em saraus, em 2008, e viu que os participantes mais novos não a conheciam. “Quando fui pesquisar mais sobre ela, fiquei ainda mais escandalizada com a história, a trajetória e as obras dela”, comenta.
No documentário, Hanna tenta mostrar a escrita e a vida de Cassandra, mas teve dificuldades porque a autora, apesar de best-seller e perseguida, era relativamente tímida. Encontrar quem falasse sobre ela não foi tão simples também. “Algumas pessoas não queriam ter o nome delas ligado a Cassandra. Outras pessoas deram depoimentos fantásticos, mostrando mais das características pessoais dela”, aponta a realizadora. “Ela escrevia sobre assuntos que eram tabu, e trazia o lesbianismo de forma escancarada. Era uma pessoa simpática, cordial, que usava roupas masculinas em muitas situações”, descreve.
“Foi uma escritora muito perseguida, e isso virou um fato publicitário: vários livros traziam um selo dizendo que ela era a autora mais proibida no Brasil. Foram quase 40 livros apreendidos”, relata Hanna. Mesmo com tanta censura, a intelectualidade nacional não demonstrou apoio a Cassandra. “Jorge Amado dizia que ela sofria preconceito por conta da sua orientação sexual”, ressalta a diretora.
NA MÃO DO LEITOR
Não é por acaso, como lembra Hanna, que a autora dizia que seu lugar, dentro da literatura, era “na mão do leitor”, mais do que em academias ou nos ambientes dos críticos literários. Para a professora e pesquisadora Renata Pimentel, uma das organizadoras do encontro, a linguagem utilizada por Cassandra tem uma aproximação intencional com uma linguagem mais comum. “Ela era best-seller porque escrevia uma língua e um imaginário de que esse público comum gosta, sem os excessos de intelectualização – embora também sem concessões, sem deixar o paradigma estético dela. O universo no qual ela penetra vai ter essa estudante branca de classe média alta, mas ela também precisa circular por certa ‘marginalidade’ para ser coerente com os elementos fundamentais da sua identificação e com a sua orientação sexual”, aponta.
Hanna concorda: “Ela utilizava uma linguagem simples para atingir um número maior de leitores e, ainda assim, trazia personagens pouco conhecidos por eles, como mulheres lésbicas, homens gays, pessoas trans”, continua. Renata também ressalta o pioneirismo político: “Ela antecipa questões sobre o feminismo, a autonomia da mulher, a autonomia ante o seu corpo e seu desejo, a necessidade do sustento econômico dessa mulher, o paradigma de família”.