Ao escrever sobre o racismo, o machismo e a homofobia para o seu livro anterior, o escritor zen-budista Alex Castro começou a pensar sobre um conceito, a “outrofobia”. Ao identificar na sociedade essa rejeição ao outro, muitas vezes causa e consequência de um olhar único e exaustivo para si mesmo, ele passou a notar a necessidade de refletir sobres os processos de cuidado e atenção nos indivíduos. Veio daí o tema para o seu mais novo livro, intitulado Atenção: Por uma Política do Cuidado, publicado pela Rocco.
A obra alterna pequenos contos zen e parábolas com reflexões pessoais e do budismo. No cerne de tudo, Alex busca destacar a importância da atenção, uma ferramenta essencial, segundo ele, para forjar o cuidado com outros. “Na prática, a outrofobia é o problema, a atenção é a ferramenta, o cuidado é a solução”, expõe o autor.
Responsável por organizar e traduzir o livro A Autobiografia do Poeta-Escravo, de Juan Francisco Manzano, Alex argumenta que um primeiro passo é entender os próprios privilégios. “E, se o privilégio é invisível por definição, então, a única maneira de percebê-lo é se abrindo para as experiências e relatos das outras pessoas, das pessoas que o enxergam, das pessoas que sentem a dor da sua ausência, ouvindo-as e abraçando-as, aceitando-as e acolhendo-as, sem interpelar nem minimizar. Em outras palavras, dando a elas nossa atenção”, comenta o autor.
É importante ressaltar que Alex não fala de uma atenção autocentrada, voltada para si. Mais do que a distração, são o desinteresse e o desprezo pelas demais pessoas que o seu livro busca combater. Como o subtítulo da obra indica, ele entende que a atenção ao outro é sempre um gesto político. “Uma prática política ou religiosa que não coloque as outras pessoas como foco será sempre inerentemente autocentrada e egoísta. A solução não é apenas mais atenção, pois todas nós temos um estoque ilimitado de atenção para dar a nós mesmas, e sim mais atenção às outras pessoas”, explica.
RETORNAR PARA A ATENÇÃO
Até por isso, o livro não fala necessariamente em manter uma atenção por um tempo infinito, com um foco absoluto. Mais do que manter a atenção, para Alex, o importante é saber retornar a ela, não se apegar ao que o distrai. “Acho que hoje somos as mesmas pessoas distraídas que sempre fomos, apenas com mais brinquedinhos”, comenta. “É parte do nosso gigantesco egocentrismo sempre considerarmos que, em primeiro lugar, NÓS somos pessoas mais distraídas do que a média, e, por isso, não conseguimos prestar atenção e, além disso, que nossa época também é mais distraída do que as outras. Assim sendo, de que adianta tentar? Melhor mergulhar no mais desenfreado consumismo e dane-se.”
O diagnóstico, para ele, é outro. “Não somos pessoas cronicamente distraídas por causa de nossos celulares e da internet. Pelo contrário, inventamos os celulares e a internet, do jeito como são hoje, por causa de nossa distração crônica constitutiva”, argumenta. “A meditação (que nada mais é do que uma técnica para estarmos mais presentes e para prestarmos mais atenção) não é uma técnica milenar, presente em quase todas as culturas desde o início dos tempos, porque ‘resolve’ um problema surgido em 2007, quando lançaram o iPhone. O Buda, assim como qualquer pessoa viva hoje, nasceu em um mundo onde a meditação já era ancestral e, um dia, ele também decidiu sentar, aprender, praticar. Somos – desde sempre e provavelmente para sempre – macaquinhas enlouquecidas, estressadas, obsessivas. Praticamos atenção porque queremos deixar de ser.”
Atenção, portanto, busca redimensionar a importância de olhar e escutar os outros, para além do egocentrismo. “O que nos falta não é atenção: é atenção às outras pessoas”, reitera Alex. O livro é o segundo de uma trilogia, iniciada com Outrofobia e que vai ser concluída com Prisões, que aborda “as bolas de ferro mentais e emocionais que arrastamos pela vida: as ideias pré-concebidas, as tradições mal explicadas, os costumes sem sentido”, como explica o autor. “Ou seja, cada uma das prisões é uma percepção incompleta da realidade: verdade, trabalho, religião, felicidade, liberdade, monogamia, obediência, sucesso, dinheiro, autossuficiência”, conclui.