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Biografia mostra como Roberto Marinho começou a construir a Globo

'Roberto Marinho – O Poder Está no Ar', do jornalista Leonencio Nossa, mostra como ele sempre esteve disposto a defender a sua empresa

JC Online
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Publicado em 17/06/2019 às 11:20
Foto: Acervo Roberto Marinho
'Roberto Marinho – O Poder Está no Ar', do jornalista Leonencio Nossa, mostra como ele sempre esteve disposto a defender a sua empresa - FOTO: Foto: Acervo Roberto Marinho
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O início da biografia Roberto Marinho – O Poder Está no Ar (Nova Fronteira), do jornalista Leonencio Nossa, revela logo um grande dilema do seu personagem principal. Em um texto escrito em 1979, o criador da TV Globo confessa: “Como gostaria de saber como sou visto e julgado!”. De um lado, Roberto Marinho se imaginava na mente do público como um “homem sério, patriota, dedicado à causa pública”. Do outro, temia ser avaliado como um “perseguidor de bens materiais, (...) que abraçou o poder, desfrutou dos prazeres de que só uma pequena parcela da humanidade desfruta”.

De fato, não importa o ângulo escolhido para a observação: é difícil tomar Roberto Marinho como uma figura plana. Ele parece ser feito, como mostra Leonencio, de contradições, obsessões e escolhas desde os primeiros passos na vida pública, como mostra o primeiro volume da sua biografia. O volume é dedicado à parte inicial da vida de Roberto Marinho, indo até a estreia do Jornal Nacional, em 1969 – momento de virada da influência do antes dono de jornal.

De certa forma, a narrativa da vida de Roberto Marinho, como sintetiza Leonencio, é a de um homem disposto, antes de tudo, a fazer sempre o melhor para a empresa de sua família não importe o custo. Vem daí a sua relação próxima com governos, democráticos ou não, muitas vezes tentando o difícil equilíbrio entre interesse público e intenções pessoais.

Como a história de Roberto Marinho é também a história de suas empresas, O Poder Está no Ar se dedica à trajetória do seu pai, Irineu, que depois de passar por várias redações e participar da fundação do jornal A Noite, termina criando O Globo. Ele comandaria o veículo de imprensa por pouco tempo, morrendo menos de um mês depois do primeiro número circular. Roberto, o filho mais velho, assumiria o posto cinco depois, quando tinha 26 anos.

“Eu tive a impressão, nessa experiência, de que escrever uma biografia é entrar um pouco em duelo com a história do personagem retratado. Cada passo dele não deixava de ser uma surpresa para mim durante a pesquisa. É estranho, mas até hoje eu não tenho a noção de Roberto Marinho como um mito em seu conjunto. Na produção do livro, fui vendo ele se construindo como uma história pessoal, empresarial, familiar”, comenta Leonencio.

No início, o projeto se dedicaria ao período da vida do empresário mais conhecido por todos, após a criação da TV Globo. “Queria me focar na parte que considerava mais importante, os anos da TV. Quando comecei as entrevistas, no entanto, várias pessoas ressaltaram que o início da vida dele era muito importante”, recorda o autor.

Segundo Leonencio, a dificuldade de se falar sobre o período vem das poucas informações – momentos como o do Estado Novo, por exemplo, trazem lacunas, especialmente sobre as relações o poder com empresários e imprensa. “É possível ver em Roberto Marinho um personagem que mantém a sua coerência com a empresa. Desde que assume o jornal, em 1931, ele se foca no fortalecimento dela. Nos movimentos políticos que vão acontecendo, ele se comporta como um homem que quer consolidar a sua empresa”, explica Leonencio.

OPERADORES

O livro também se aprofunda no papel dos operadores, como Herbert Moses, Lulu Aranha e Augusto Frederico Schmidt, no funcionamento do jornal. “Fala-se muito dos grupos econômicos, mas ainda hoje se dá pouco espaço para se entender essas relações entre estado e empresas no Brasil. A história desses operadores mostra como Roberto Marinho conseguiu o seu império, como isso era importante para os governos. São figuras que agem como grandes conselheiros, ou lobistas: eram os faróis dos grandes grupos de comunicação, não só na questão de recursos, mas também na linha editorial”, conta. Apesar disso, Roberto Marinho sempre tentou manter outras fontes de renda, como os imóveis e os gibis, para tentar não ser completamente dependente.

Um dos pontos abordados nessa primeira etapa da vida do empresário é sua participação no conselho do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) durante a censura imposta pelo Estado Novo. “Ele entra como representante de Herbert Moses, pois não tinha influência suficiente para o posto. Mais tarde, ele defenderia a passagem como uma coisa necessária, porque não havia canal nenhum de diálogo com o governo. O período, no entanto, é complicado, porque o Estado Novo dominava completamente a imprensa, e esse grupo legitimou o poder autoritário”, avalia Leonencio.

O desejo do empresário era ser alguém de “centro” (ou melhor, pragmático) em questões políticas e um pouco mais liberal nos costumes através das novelas. Leonencio também ressalta que Irineu, pai de Roberto, nunca passeou com tranquilidade pelos salões mais nobres do Rio. A sua aposta em um jornal que fosse além dos círculos altos e se focasse também nos leitores do subúrbio foi mais por sobrevivência do que por visão. “O teatro da imprensa já estava definido com os grandes jornais matutinos. Irineu notou que havia um público crescente com a abolição e o começo da industrialização”, argumenta.

No próximo volume, ainda sem previsão de conclusão, Leonencio vai trazer o Roberto Marinho que habita o imaginário nacional – dono de uma emissora poderosa, que cresceu com uma relação próxima com a ditadura militar, afagou e atacou governos e não só se consolidou como a líder de audiência como ficou marcada por um padrão de qualidade para a TV aberta. “Vai ser um desafio interessante, porque também envolve outros personagens muito influentes. Escrever um personagem como esse, afinal, é escrever uma época”, define o biógrafo.

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