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Em 'Controle', Natalia Borges Polesso fala sobre tomar as rédeas de si mesmo

Ao abordar a epilepsia e a descoberta da homossexualidade, o romance da escritora gaúcha traz com complexidade uma maturidade tardia

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 19/08/2019 às 11:40
Foto: Laine Barcarol/Divulgação
Ao abordar a epilepsia e a descoberta da homossexualidade, o romance da escritora gaúcha traz com complexidade uma maturidade tardia - FOTO: Foto: Laine Barcarol/Divulgação
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“Vai ser assim a vida toda”, repete para si mesma Maria Fernanda, a protagonista de Controle (Companhia das Letras), primeiro romance da escritora gaúcha Natalia Borges Polesso. A sensação de impossibilidade, de uma vida permeada de limitações, é constante ao longo das páginas da obra. Mais do que talvez os seus dois temas de destaque, a epilepsia e a descoberta do desejo e da homossexualidade, esse livro é justamente sobre algo mais difícil de descrever: a estranha impressão de que sua vida segue em frente amorfa e truncada.

Nessa sua incursão pelas narrativas mais longas, Natalia prova-se uma voz instigante da prosa contemporânea. Com o livro de contos Amora, de 2015, ela venceu o Prêmio Jabuti, revelando em cada texto diferentes histórias de personagens em relacionamentos lésbicos – uma necessária reafirmação da pluralidade e complexidade muitas vezes ignorada de amores, desejos e vidas. Controle, enquanto traz o despertar e a confusão afetiva de sua protagonista, traz com profundidade os passos e pensamentos de Fernanda.

Até os 12 anos, Fernanda levava uma vida de criança comum, como ela mesma descreve: “Brincava, era sociável, gostava de desenhar para tios, tias e avós, me exibir com folhas coloridas e dobraduras mal feitas, gostava de dançar, de cantar e, principalmente, de conversar com os adultos”. “Não fazíamos a menor ideia de como era o mundo fora do nosso próprio mundo”, conta em outro trecho.

O marco da idade é porque nessa altura, ao sofrer um acidente de bicicleta, Fernanda sofre o primeiro episódio de epilepsia. As repetições dessas perdas de consciência continuam, preocupando seus pais e a isolando do mundo – o pouco contato que ela mantém é com a sua melhor amiga, Joana, ainda que não se sinta completamente compreendida por ela. “Aliás, eu parecia ter sido reduzida a um problema e só”, aponta a personagem e narradora.

Enquanto conta a sua história, Fernanda intercala suas palavras com letras do grupo New Order, sua obsessão da adolescência. “Meus fones de ouvido se tornaram fortalezas impermeáveis. Se o mundo não me ouvia, eu também não queria ouvir nada do mundo”, explica. “Eles eram comedidos, e eu me identificava completamente. New Order é uma banda que estourou sem um líder, sem um rosto.” Nas referências culturais, Controle também termina retratando a geração que se educou musicalmente com o pós-punk, dos walkmans aos smartphones, mesmo em uma cidade pequena do interior do Rio Grande do Sul, Campo Bom.

PAVOR

Se a sexualidade e a epilepsia poderiam facilmente definir a personagem, a construção cuidadosa de Natalia transforma o receio de se colocar no mundo no cerne do romance. “Era pavor da vida tão complexa, tão completa. Eu não consegui entrar na vida. Fiquei de fora olhando os eventos pela janela, num aquário impossível ao lado do mar. Marcando presença e não aparecendo. Marcando presença e desaparecendo. Assisti às coisas todas. Meio boba. Quando deveria ter sido a protagonista, desapareci pra comer pipoca murcha na plateia de um filme tosco, de quinta. Não que eu não quisesse, eu não conseguia tomar as rédeas. Se é que essa é a melhor comparação”, anota a personagem.

A força de Controle vem desse conflito interno. Fernanda deseja uma outra vida, ainda que não consiga imaginar uma realidade diferente para si. A construção do romance também é singular: o primeiro capítulo, por exemplo, tem o ritmo e a estrutura de um conto primorosamente fechado, e vários momentos da obra mantêm essa sensação. Trata-se de um livro lapidado, ainda mais poderoso por saber capturar com maestria a dificuldade de nomear os próprios sentimentos e medos – é uma literatura que diz mais porque não consegue se simplificar em conceitos rasteiros.

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