BIENAL

Muniz Sodré fala sobre ancestralidade e poesia de Solano Trindade

Convidado para a Bienal do Livro de Pernambuco, o autor ressalta a importância da poesia do escritor e militante pernambucano

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 30/09/2019 às 11:56
Foto: Arquivo Nacional/Divulgação
Convidado para a Bienal do Livro de Pernambuco, o autor ressalta a importância da poesia do escritor e militante pernambucano - FOTO: Foto: Arquivo Nacional/Divulgação
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Em um dos seus mais famosos versos, Sou Negro, o poeta e militante pernambucano Solano Trindade (1908-1974) afirma: “meus avós foram queimados/ pelo sol da África/ minh’alma recebeu o batismo dos tambores/ atabaques, gonguês e agogôs”. Sua poética direta, coloquial e profundamente consciente da resistência e luta do povo negro em um país escravocrata recebe em outubro uma homenagem merecida e oportuna: o autor é um dos nomes celebrados pela 12ª edição da Bienal do Livro de Pernambuco, que acontece entre 4 e 13 de outubro no Centro de Convenções.

Para falar da obra de Solano, o evento vai receber, no dia 8, às 17h, o jornalista, pesquisador e escritor baiano Muniz Sodré. É uma oportunidade de entender a importância do autor, militante e pioneiro na literatura negra no Brasil, elogiado – entre muitos outros – por Drummond.

Segundo Muniz, uma boa imagem para entender a dimensão de Solano é a da figura do griô, que tem origem na África Ocidental. “É a pessoa que é um cantador, poeta, que dança, canta e também intervém politicamente. É alguém que repercute a voz de uma sabedoria coletiva”, aponta o pesquisador. “Solano é um griô como existem outros no Brasil: Abdias Nascimento, Nei Lopes e Martinho da Vila, entre muitos”.

A homenagem em uma Bienal que aborda as histórias para resistir, comenta o autor baiano, é mais do que justa. “Ele é uma dessas vozes da nossa ancestralidade. O ancestral é o sujeito que morreu, mas que permanece importante para a ética do grupo. Um ancestral é uma voz ética, a voz do pai morto ou da mãe morta que repercute em cada um de nós. Não são heróis, nada disso, são ancestrais, figuras que ressoam nos que continuam a viver”, afirma Muniz.

Talvez o poema mais famoso de Solano seja Tem Gente com Fome, cantado por Ney Matogrosso nos anos 1990. “Solano tem uma linguagem direta que eu diria ser parecida com a de Maiakóvski na Rússia, um autor de alta qualidade, mas também um poeta do coração, que dizia que tudo nele pulsava. Solano também é um poeta do coração no sentido de repercutir as batidas do coração coletivo dessa cidadania de segunda classe que é ser negro no Brasil”, avalia o pesquisador baiano.

Solano também trabalhou com o teatro e artes plásticas, além de fundar a Frente Negra Pernambucana e o Centro Cultural Afro-Brasileiro, entre outras instituições. Ao olhar para a atualidade, Muniz vê um reflexo dessas atividades múltiplas na formação de uma uma intelectualidade negra nos dias de hoje. “É uma intelectualidade orgânica, que cresceu muito com as políticas afirmativas do governo Lula – essas políticas foram o ato mais importante dele, na minha visão. É um público específico, que compra livros sem necessariamente seguir um padrão do mercado ou da mídia. Você vê hoje, só em um jornal como O Globo, nomes como Flávia de Oliveira, Ana Paula Lisboa, Geovani Martins e muitos outros”, analisa.

CENSURA

Diante da tentativa de censura a obras LGBTI na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em ação sensacionalista do prefeito Marcelo Crivella, Muniz celebra a importância de espaços como esses. “Acho que elas ficam com uma importância até maior do que antes. Não são apenas um lugar de convergência de editores, livreiros e escritores”, comenta. “Celebrar o livro hoje é um movimento político, porque assumiram o poder pessoas devotadas à atacar à cultura e à educação. A Bienal é uma marcação política de resistência a isso.”

Um dos principais pesquisadores de comunicação e da cultura negra, Muniz continua divulgando o seu livro mais recente, o Pensar Nagô, editado pela Vozes, lançado no ano passado. “Em 29 dias, sem muita divulgação na mídia, vendemos a primeira edição toda e várias outras depois. É um livro de filosofia que, a partir da liturgia africana e do candomblé, se propõe a enxergar o corpo também como âncora do pensamento”, indica. Além disso, tem continuado a dar aulas como professor emérito da UFRJ. “Se existe balbúrdia nas universidades, a balbúrdia é essa de continuar mobilizando estudantes e debates”, termina.

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